Tratamento Hormonal: Recente Revisão Sistemática Aborda Efeitos em Disforias de Gênero
Primeira revisão sistemática sobre tratamentos hormonais em adolescentes transgênero fornece insights valiosos sobre um tema ainda pouco estudado.
Ao redor do mundo, as intervenções hormonais em jovens transgêneros têm ganhado espaço e indicações cada vez mais crescentes nas sociedades médicas. Muitos estudos avaliam seus efeitos nessa população, mas em geral são muito pequenos e repletos de falhas em suas metodologias, apresentando resultados bastante variáveis. Seguindo essa linha, recentemente — mais precisamente em junho de 2017 — a Sociedade Brasileira de Pediatria publicou um guia para nortear o atendimento e os cuidados de crianças e adolescentes transgêneros brasileiros.
Na edição de março de 2018 da Pediatrics, uma equipe australiana liderada pela Dra. Denise Chew, do Departamento de Pediatria e Psiquiatria da Universidade de Melbourne, elaborou a primeira revisão sistemática sobre o assunto em pacientes adolescentes transgêneros.
Os autores selecionaram treze estudos (de um total de inicial de 1.322) que atingiram os critérios de inclusão. De acordo com os dados, a maioria dos tratamentos atingiu com sucesso os efeitos físicos desejados, com aGnRH, acetato de ciproterona (antiandrogênico) e linestrenol (uma progestina) suprimindo os hormônios sexuais, e o estrógeno e a testosterona promovendo as características sexuais secundárias. Mas há muitas outras observações e conclusões a serem tiradas desta base de dados, e são elas que veremos em maiores detalhes a seguir.
Definindo o transgênero
Muitos termos são utilizados em literatura para definir essa população:
- mulheres trans,
- transfemininos,
- MtF (do termo em inglês male to female, ou masculino para feminino)
definem os indivíduos nascidos com um corpo dito masculino, mas que se identificam com o gênero feminino; e
- homens trans,
- transmasculinos e
- FtM (female to male, ou feminino para masculino)
são os termos usados para definir indivíduos nascidos com genitália externa feminina, mas com identidade masculina.
A palavra cisgênero identifica as pessoas cuja identidade é congruente com o sexo atribuído ao nascimento (ou seja, identidade masculina em pessoas com genitais masculinos, e feminina naqueles nascidos com genitália externa feminina). Como o texto da revisão adota as palavras transmasculine e transfeminine, usarei em algumas partes do texto a tradução que soa mais literal (trasmaculinos e transfemininos, respectivamente).
Tratamentos hormonais
Essa incongruência entre a identidade de gênero e as características físicas pode gerar angústia e danos funcionais aos indivíduos transexuais, resultando em disforia de gênero (antigamente chamada de transtorno de identidade de gênero).
Vários tratamentos hormonais estão disponíveis para a disforia de gênero, sendo que suas indicações variam conforme o estágio puberal em que o paciente se encontra. Como exemplo, os autores citam que a puberdade pode frequentemente exacerbar a disforia de gênero por conta do desenvolvimento de características sexuais secundárias indesejadas, que podem ser reversivelmente suprimidas com o uso de análogos do hormônio liberador de gonadotrofina (aGnRH). Já os hormônios reafirmadores de gênero (HRG, também conhecida como terapia hormonal do sexo oposto — testosterona e estrógeno) permitem a essas pessoas ativamente feminilizar ou masculinizar sua aparência física para ser mais consistente com sua identidade.
Antiandrógenos, como a espironolactona e o acetato de ciproterona, podem ser usados para contrabalancear os efeitos da testosterona em transexuais femininos (cujo sexo atribuído ao nascimento foi o masculino), enquanto que as progestinas (hormônios sintéticos análogos à progesterona), como a noretisterona e a medroxiprogesterona, são frequentemente empregados para suprimir a menstruação em transexuais masculinos (nascidos femininos).
Tratamentos em adultos e em jovens – grandes diferenças
Para pacientes transexuais adultos, muitos estudos têm surgido, incluindo revisões sistemáticas, avaliando os efeitos da terapia hormonal com a disforia de gênero. Tem-se demonstrado que os HGR (mais extensivamente estudados pelos autores) melhoram múltiplos aspectos do funcionamento psicossocial, embora aumentem os níveis séricos de triglicérides e o risco de doenças cardiovasculares.
Em pacientes jovens, no entanto, os estudos são escassos e os clínicos que atendem essa faixa etária muitas vezes precisam extrapolar para eles as recomendações para pacientes adultos, e isso pode constituir um problema por diversas razões:
- o fato de que a adolescência é um período de rápido desenvolvimento em diversas esferas,
- na maioria das vezes, os adultos não necessitam de tratamento com determinados hormônios supressores hormonais (como os aGnRH e as progestinas)
- as doses para os adolescentes variam daquelas para adultos, podendo ter resultados distintos.
Dados da Revisão: os efeitos psicossociais da terapia hormonal
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