Urticária Aguda na Criança — É Sempre Alergia?
Causas, diagnóstico e tratamentos da urticária, uma doença comum e que nem sempre é relacionada a alergias.
Aurticária aguda é uma doença comum no pronto-socorro infantil e é motivo de grande ansiedade para os pais, que procuram atendimento médico de urgência com medo de que o quadro possa evoluir para sintomas mais graves 1.
Na maioria das vezes, a urticária é considerada uma reação alérgica, e portanto a atenção se volta aos alimentos (especialmente corantes) e medicamentos em uso. Mas seria a urticária sempre uma alergia? Quais são as principais causas de urticária na infância?
DEFINIÇÃO DE URTICÁRIA
O que é a urticária, o angioedema e as urticas?
Por definição, a urticária é uma doença caracterizada pelo desenvolvimento de urticas, angioedema ou ambos.
- A urtica é uma lesão elementar da pele e tem como características típicas o aparecimento de um edema central de tamanho variável, rodeado por eritema, com prurido e/ou sensação de queimação e de natureza fugaz, pois dura de alguns minutos a 24 horas, deixando a pele novamente íntegra (Figuras 1 e 2).
- O angioedema é um edema repentino da derme profunda e subcutâneo, com envolvimento frequente das mucosas e sensação de dor mais importante que o prurido; tem melhora mais lenta, de até 72 horas 2 (Figura 3).
Estudos recentes mostraram que a incidência de urticária é de aproximadamente 1% por ano de vida e a prevalência de urticária em crianças com idade de 10 anos é de 14,5% para meninos e 16,2% para meninas. Acontece principalmente na idade pré-escolar, mas pode aparecer em qualquer idade. Durante a infância, a distribuição entre os sexos é igualitária, diferente da fase adulta, em que predomina no sexo feminino 3.
URTICÁRIA: CAUSAS E CLASSIFICAÇÕES
Entenda a diferença entre urticária aguda e crônica
O mastócito é o principal responsável pela formação da urticária. A histamina e outros mediadores, como o fator ativador de plaquetas (PAF) e citocinas liberadas de mastócitos ativados, provocam estímulo de terminações nervosas, vasodilatação e extravasamento de plasma, bem como recrutamento celular para as lesões.
A urticária é classificada de forma aguda ou crônica, com base na sua duração. É aguda quando sua duração é inferior a 6 semanas e, quando esse tempo é ultrapassado, passa a ser chamada de crônica. A forma aguda é mais prevalente que a crônica; no entanto, a urticária crônica tem um impacto mais significativo na qualidade de vida, devido à recidiva e etiologia muitas vezes desconhecida.
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As causas comuns de urticária aguda em crianças estão citadas no Quadro 1 abaixo. A infecção parece ser uma causa predisponente mais frequente de urticária em lactentes e crianças quando comparadas aos adultos, podendo chegar a 40% dos casos. A infecção viral é um potente desencadeante e, muitas vezes, a principal responsável de urticária aguda e crônica. Alimentos são responsáveis por cerca de 20% dos casos, seguidos por medicamentos (12%) e insetos (2%). A causa espontânea idiopática pode ser responsável por até 25% das urticárias e aparece principalmente em crianças com atopia.
Várias hipóteses foram propostas a fim de explicar a associação das infecções virais e a urticária: uma delas é de que haja reação cruzada entre IgM e IgG viral com a IgE dos mastócitos, favorecendo a desgranulação dos mastócitos e o aparecimento das placas urticariformes; outra hipótese seria de que imunocomplexos circulantes estimulam basófilos a produzirem aminas vasoativas e ativação do complemento, levanto ao aumento da permeabilidade vascular. Embora sejam sugeridos vários mecanismos patogênicos, o papel exato da infecção no desencadeamento da urticária ainda não está claro 5.
Quadro 1. Principais desencadeantes de urticária na infância
Infecções | virais (Epstein Barr, citomegalovírus, coxsackie); parasitárias (ascaridíase, toxocaríase), bacterianas (faringites e sinusites) e fúngicas(candidíase) |
Alimentos | leite, ovos, trigo, soja, amendoim, frutos do mar |
Medicamentos | betalactâmicos, sulfas, anticonvulsivantes |
Insetos | abelhas, mosquitos e formigas |
Idiopáticas | (espontânea) |
Urticária de contato | látex, saliva de animais |
Imunocomplexos | doença do soro, transfusionais |
Exposição ao frio e ao calor | (espontânea) |
Reações pseudoalérgicas | meios de contraste, fármacos e alimentos ricos em aminas vasoativas (morango, tomate, alguns queijos, conservantes, entre outros) |
DIAGNÓSTICO E DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DE URTICÁRIA
Diversas outras condições podem resultar em urticas e/ou angioedema. Descubra quais.
É importante diferenciar a urticária de outras condições médicas que cursam com aparecimento de urticas e/ou angioedema. A Síndrome Periódica Associada à Criopirina (CAPS) compreende um grupo espectral de doenças raras que apresentam erupção cutânea semelhante à urticária (pseudourticária). O diagnóstico diferencial da urticária em crianças inclui, ainda, os exantemas virais por Epstein Barr, enterovirose, sarampo e doença de Kawasaki. Em casos de angioedema isolado, considerar ingestão de inibidores da ECA, angioedema hereditário/ anormalidades adquiridas do C1INH (inibidor de C1 esterase). Em pacientes com lesões urticariformes fixas com duração acima de 24 horas, considerar o diagnóstico de vasculites, eritema multiforme minor, lúpus discoide, mastocitose e erupções por drogas.
O diagnóstico da urticária aguda é usualmente baseado em anamnese detalhada e manifestações clínicas, como a presença de pápulas transitórias, bem circunscritas, que envolvem a parte superior e a parte média da derme. Como a urticária aguda e o angioedema geralmente se resolvem espontaneamente, a avaliação laboratorial para doenças crônicas também não é necessária, a menos que seja apoiada pela história clínica ou pelo exame físico. Além disso, dietas de eliminação empíricas (não guiadas por história e testes) não são recomendadas. Embora muitos casos de urticária aguda sejam causados por doenças virais ou outras doenças infecciosas, a avaliação extensiva para patógenos virais específicos ou terapia antiviral não é indicada, a menos que seja sugerido pela história clínica.
Testes cutâneos ou imunoensaios para identificar desencadeantes específicos podem ser úteis, desde que uma causa alérgica seja sugerida pela história. O teste cutâneo de leitura imediata (prick test), neste cenário, usualmente seria feito após a resolução da urticária aguda e após a suspensão de anti-histamínicos. Vale lembrar que o teste de provocação oral é padrão ouro na investigação de alergia alimentar e deve ser feito em ambiente seguro, com equipamentos de resgate, para tratamento de possíveis reações.
TRATAMENTOS PARA URTICÁRIA
As linhas de tratamento e os medicamentos mais indicados.
Recomenda-se o mesmo tratamento de primeira linha que em adultos, com ajuste de dose (de acordo com o peso). Somente medicações com comprovada eficácia e segurança na população pediátrica devem ser usadas. A cetirizina, a desloratadina, a fexofenadina, a levocetirizina e a loratadina foram bem estudadas em crianças e sua segurança a longo prazo foi bem estabelecida na população pediátrica. Além disso, a escolha do anti-histamínico H1 de segunda geração em crianças depende da idade e da disponibilidade, pois nem todas estão disponíveis como xarope, gotas ou comprimido de dissolução rápida.
Embora os anti-histamínicos de primeira geração sejam eficazes, estão associados à sedação e habilidades motoras prejudicadas (pela sua capacidade de atravessar a barreira hematoencefálica), portanto não são indicados.
Em pacientes com resposta pobre a anti-histamínicos, mesmo com doses permitidas de até 4 vezes as preconizadas, pode ser associado o corticosteroide oral por um breve curso. Neste caso, a prednisolona é o medicamento de escolha, nas doses de 1 a 2 mg/kg/dia, por 3 a 7 dias.
A anafilaxia deve ser sempre excluída, pois o tratamento inicial difere do tratamento da urticária isolada. Anafilaxia = adrenalina!
Quadro 2. Anti-histamínicos de segunda geração: apresentações e doses recomendadas
NOME | APRESENTAÇÃO | POSOLOGIA | POSOLOGIA |
CRIANÇAS | CRIANÇAS >12 ANOS E ADULTOS | ||
Cetirizina | Solução oral: 1 mg/mL Gotas: 10 mg/mL Comprimido: 10 mg | 6 meses–2anos: 2,5 mg 1x/dia 2–6 anos: 2,5 mg 12/12h 6–12 anos: 5 mg 12/12h | 10 mg/dia |
Levocetirizina | Gotas: 2,5 mg/10 gotas Comprimido: 5 mg | 2–6 anos: 1,25 mg 12/12h >6 anos: 5 mg/dia | 5 mg/dia |
Loratadina | Solução oral: 1 mg/mL Comprimido: 10 mg | >2 anos: < 30 kg: 5 mg/dia ≥30 kg: 10 mg/dia | 10 mg/dia |
Desloratadina | Solução oral: 0,5 mg/mL Gotas: 1,25 mg/mL Comprimido: 5 mg | 6 meses–2 anos: 1 mg 1x/dia 2–6 anos: 1,25 mg 1x/dia 6–12 anos: 2,5 mg 1x/dia | 5 mg/dia |
Ebastina | Solução oral: 1 mg/mL Comprimido: 10 mg | 2–6 anos: 2,5 mg 1x/dia 6–12 anos: 5 mg 1x/dia | 10 mg/dia |
Epinastina | Solução oral: 2 mg/mL Comprimido: 10 mg ou 20 mg | 6–12 anos: 5 a 10 mg 1x/dia | 10 a 20 mg/dia |
Fexofenadina | Solução oral: 6 mg/mL Comprimido: 30, 60, 120 e 180 mg | 6 meses–2 anos: 15 mg 12/12h 2–11 anos: 30 mg 12/12h 6–12 anos: 60 mg/dia | 60 mg a 12/12 horas ou 120 mg 1x/dia |
Rupatadina | Comprimido: 10 mg | Não recomendado | 10 mg/dia |
Bilastina | Comprimido: 20 mg | Não recomendado | 20 mg/dia Obs.: 1h antes ou 2h após refeições |
Conclusão
As apresentações clínicas de um episódio inicial de urticária aguda variam dependendo das causas diagnosticadas fisiologicamente. O conhecimento das várias causas de urticária ajudará os médicos a realizar avaliações clínicas apropriadas, evitando restrições alimentares desnecessárias e a suspensão de medicamentos.
REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
- Liu T-H et al. Significant factors associated with severityand outcome of an initial episode of acuteurticaria in children. Pediatr Allergy Immunol 2010: 21: 1043–1051.
- T. Zuberbier et al. The EAACI/GA2LEN/EDF/WAO Guideline for the definition, classification, diagnosis, and management of urticaria: the 2013 revision and update. Allergy.2014 Jul;69(7):868-87.
- Meeyong Shin, Sooyoung Lee. Prevalence and Causes of Childhood Urticária. Allergy Asthma Immunol Res. 2017 May;9(3):189-190.
- Bernstein et al. The diagnosis and management of acute and chronic urticaria: 2014 update. 2014; 133 (5): 1270–1277.
- Imbalzano E et al. Association between urticaria and virus infections: A systematic review. Allergy Asthma Proc. 2016;37(1):18-22.