Medicina Aeroespacial

“Doutor, Posso Viajar de Avião?”

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Viajar de avião pode trazer algumas complicações de saúde, dependendo do estado do paciente. Veja quando é indicado evitar o voo e quais condições estão liberadas nesta revisão.

 

A vida moderna faz com que, não pouco frequentemente, lidemos com situações no atendimento pediátrico cujas respostas não nos são ensinadas nas residências de Pediatria. Uma delas diz respeito às doenças e viagens aéreas. O post de hoje foi escrito baseado na publicação da Associação Médica Aeroespacial americana (Aerospace Medical Association — ASMA) de 2003, que pode ser conferido clicando-se neste link.

 

Todos os anos, cerca de 1 bilhão de pessoas fazem viagens aéreas, tanto domésticas quanto internacionais, com uma perspectiva de se dobrar esse número até a década de 2020. Com isso, cada vez mais os pacientes buscarão conselhos médicos sobre segurança para viajar e quais precauções devem tomar para evitar situações adversas durante os voos.

 

O STRESS DO VOO

Aviões modernos são bastante seguros e relativamente confortáveis. Independente disso, tantos voos longos quanto curtos causam stress nos passageiros, tanto em terra quanto no ar. Passageiros saudáveis lidam bastante bem com essa situação, assim como a maioria dos pacientes adoecidos, mas sempre há a possibilidade de que esses últimos piorem seu estado durante ou após o voo devido a esse stress.

Ao contrário da crendice popular, as aeronaves não são pressurizadas ao equivalente do nível do mar (760 mmHg).

Ao contrário da crendice popular, as aeronaves não são pressurizadas ao equivalente do nível do mar (760 mmHg). A maioria dos voos acontece entre 1.524 e 2.438 metros (ou 5.000 e 8.000 pés), o que faz com que a pressão barométrica esteja reduzida, com consequente diminuição da pressão de oxigênio a nível alveolar (PO2) e da pressão arterial de oxigênio (PaO2) correspondente. Assim, enquanto que no nível do mar a PaO2 é de 98 mmHg, numa altitude de 8.000 pés, com uma pressão atmosférica de 565 mmHg, ela será de cerca de 55 mmHg, o que, na curva de dissociação da oxiemoglobina, resultará numa saturação de 90%. Confira na Figura 1 abaixo.

Figura 1 – Curva de dissociação da oxiemoglobina

Fora isso, como na altitude em que os aviões voam a quantidade de vapor d’água é escassa, a umidade dentro da cabine é bastante reduzida, variando de 10–20%, o que pode, como veremos adiante, exacerbar problemas respiratórios.

Outros fatores, como o jetlag (assincronia circadiana provocada pela dissonância entre o relógio biológico e os estímulos do ambiente) e o desconforto de assentos apertados (mais acessíveis à maioria dos passageiros) também fornecem fatores adicionais de stress.

 

PRIMEIRAS CONSIDERAÇÕES: STATUS VACINAL E PROFILAXIA PARA MALÁRIA

As vacinas do Programa Nacional de Imunizações (PNI), tanto para a população pediátrica como para adultos e idosos, devem estar sempre em dia. Vacinas suplementares devem ser consideradas para viajantes conforme a epidemiologia do local de destino e dependendo do tempo de permanência do viajante no local. Sendo assim, temos:

  • Cólera: vacinas contra cólera não são muito eficazes, mas devem ser consideradas para viajantes com destino em áreas endêmicas ou sob risco de epidemias, caso a hospedagem em tais destinos seja prolongada.
  • Hepatite A: deve ser administrada pelo menos 4 semanas antes da partida. Não faz parte do PNI, sendo recomendada pela SBP para crianças a partir de 12 meses (necessárias 2 doses com intervalo mínimo de 6 meses entre si). Imunoglobulina também pode ser dada junto com a primeira dose da vacina caso um voo emergencial seja necessário para uma região de alto risco.
  • Hepatite B: transmissível principalmente através de sangue e agulhas contaminados ou por contato sexual. Faz parte do PNI; por isso, devemos nos certificar de que o número mínimo de doses para a faixa etária tenha sido aplicado.
  • Encefalite japonesa: ocorre nos países do leste asiático, incluindo China e Japão. Caso o viajante permaneça nesses locais por um longo período de tempo e, em especial, longe de áreas urbanas, a vacina é recomendada. Ela é ineficaz em pacientes <1 ano de idade.
  • Peste negra: como há tratamentos eficazes contra a Yersinia pestis, geralmente não há necessidade de vacinação para a maioria dos passageiros, com exceção daqueles que se deslocarem para áreas com alto risco de transmissão.
  • Raiva: recomendada, segundo o documento da ASMA, para quem permanecer por longos períodos em áreas rurais de países em desenvolvimento.
  • Febre tifoide: há vacina injetável e uma oral, eficaz para adultos e crianças >6 anos.
  • Febre amarela: lembrar que é contraindicada para pacientes com alergia documentada ao ovo. É recomendada para aqueles com idade ≥9 meses pelo menos 10 dias antes da viagem. Em situações especiais (como no caso de viagens para locais com surtos da doença), pode ser considerada para pacientes com idade ≥6 meses.

Quanto à malária, não há vacinas disponíveis. Drogas antimaláricas, tais como artemisinina, cloroquina, proguanil, doxiciclina e mefloquine podem ser usadas como profilaxia. A crescente resistência dos plasmódios a essas drogas é uma preocupação global, incluindo o Brasil. Como a malária durante a gestação é uma situação de alto risco para a mãe e o feto, deve-se desencorajar que grávidas viagem para áreas de alto risco de contágio. Igualmente, como bebês e crianças estão sob maior risco de desenvolver formas graves da doença, não se recomenda que eles visitem essas regiões. Caso necessário, além da profilaxia, adotar medidas de barreira, como:

  • proteção de áreas expostas do corpo com roupas longas,
  • evitar exposição externa no período de alimentação do Anopheles (mosquito-prego — classicamente entre o ocaso e a alvorada),
  • usar repelentes de insetos,
  • instalar redes contra mosquitos.

 

DOENÇAS CARDIOVASCULARES E VOOS

doencas psiquiatricas e viagens de aviao

No caso das doenças cardiovasculares, a principal preocupação se dá pela hipóxia hipobárica dentro das cabines. A grande maioria dos pacientes com condições cardíacas de base a compensarão por meio de aumento do volume minuto, principalmente aumentando o volume corrente. A resposta cardíaca primária à hipóxia é uma leve taquicardia, que resulta em aumento da demanda de oxigênio pelo miocárdio. Em pacientes com reserva cardíaca limitada, esse aumento da demanda, associado à baixa oferta de oxigênio em altitudes elevadas, pode resultar em sintomas de descompensação, sendo que oxigênio suplementar pode ser necessário.

Particularmente para Pediatria, dada a epidemiologia dessas doenças em nossos pacientes, temos as seguintes recomendações:

  • Insuficiência cardíaca congestiva (ICC) descompensada grave: é uma contraindicação para voar. Entretanto, nos casos de ICC estável, é recomendável que oxigênio suplementar seja oferecido aos pacientes com classes III e IV da New York Heart Association (NYHA) ou com PaO2 <70 mmHg.
  • Doença valvar sintomática: é uma contraindicação relativa a viagens aéreas. Atenção particular deve ser prestada ao status funcional, à gravidade dos sintomas, à fração de ejeção do ventrículo esquerdo e à presença ou ausência de hipertensão pulmonar para julgar a aptidão para a viagem. Oxigênio suplementar deve ser prescrito para os pacientes com hipoxemia basal.
  • Cardiopatias congênitas complexas: recomendações idênticas às das doenças valvares.
  • Hipertensão: não há contraindicações caso a doença esteja sob controle. Sempre lembrar os pacientes da importância de carregar as medicações na bagagem de mão e adequar os horários de tomada conforme os fusos horários de destino, mantendo os intervalos corretos entre as  doses das medicações.
  • Pacientes com marcapassos ou desfibriladores cardioversores implantáveis: baixo risco para voos comerciais, contanto que estejam estáveis. A interação desses dispositivos com os equipamentos eletrônicos das aeronaves ou com equipamentos de segurança dos aeroportos é improvável para a maioria daqueles com configuração bipolar comum, mas pode haver uma interferência eletromagnética teórica nos marcapassos unipolares.

Na tabela abaixo estão listadas as doenças cardíacas que constituem contraindicações para voos comerciais:

 

 

TROMBOSE VENOSA PROFUNDA NO AVIÃO

No momento de realização da diretriz da ASMA, haviam sido reportados pelo menos 200 casos de tromboses venosas profundas (TVP) em viajantes ao redor do mundo. Por si, a TVP não constitui um risco de vida, mas a possibilidade de ocasionar um tromboelismo venoso ou pulmonar sim.

Fatores que aumentam a probabilidade de ocorrência de TVP são aqueles conhecidos como a tríade de Virchow: 1) redução do fluxo sanguíneo; 2) mudanças na viscosidade do sangue; e 3) dano ou anormalidade na parede do vaso.

Sendo assim, a tabela abaixo lista as condições médicas que representam esse aumento dos fatores de risco:

 

Recomenda-se que esses passageiros mantenham-se bem hidratados e realizem exercícios de alongamentos periódicos durante o voo, principalmente dos membros inferiores.

 

QUEM TEM DOENÇA PULMONAR PODE VIAJAR DE AVIÃO?

viajando de aviao com doencas pulmonares

Para determinar se um paciente com doença pulmonar está apto para viajar, além de anamnese e dos exame físico de rotina, podem ser úteis exames laboratoriais e testes de função pulmonar.

A medida da PaO2 basal é o exame mais útil para se poder predizer a tolerância à altitude. Uma PaO2 >70 mmHg em solo é considerada adequada para a maioria dos pacientes. Valores menores podem ser manejados com a administração de oxigênio suplementar durante o voo. Uma PaCO2 elevada (hipercapnia) indica baixa reserva pulmonar e maior risco com o aumento da altitude, mesmo que oxigênio suplementar seja ofertado.

Atenção particular deve ser dada para portadores de:

  • Asma: viagens aéreas são contraindicadas para aqueles cuja doença é lábil, grave ou que tenhma requerido hospitalização recente. Para portadores de asma leve ou moderada, as viagens são permitidas, apenas com a recomendação de carregarem doses de broncodilatador consigo nas malas de mão, bem como de corticosteroides para uso caso de uma crise se desenvolver.
  • Doença pulmonar obstrutiva crônica: pode ser necessária a suplementação de oxigênio para segurança e conforto desses pacientes.
  • Bronquiectasia e fibrose cística: terapia antibiótica adequada, hidratação, tosse efetiva e oxigênio suplementar são essenciais para ambas as condições. Crianças com fibrose cística podem desenvolver saturação <90% durante o voo. Nesses casos, deve-se considerar o uso da enzima deoxirribonuclease em aerossol (rhDNase), tanto antes da viagem como durante o voo para diminuição da viscosidade do escarro.
  • Doença intersticial pulmonar:  pessoas acometidas geralmente toleram bem os voos. Oxigênio suplementar deve ser oferecido para pacientes com doenças graves.
  • Malignidade: não continuem contraindicações para os voos.
  • Doenças neuromusculares: não são contraindicações, mas tais pacientes podem necessitar de aspirações e assistência ventilatória durante o voo, bem como de oxigênio suplementar. Sendo assim, contato prévio com a companhia aérea deve ser feito.
  • Infecções pulmonares: se ativas ou contagiosas, em especial a tuberculose pulmonar, os pacientes não estão aptos para os voos. Aqueles que estejam se recuperando de pneumonias devem estar afebris e estáveis clinicamente para poder viajar. Pacientes com doenças virais, pela possibilidade de infectar outros passageiros, devem adiar a viagem até que estejam curados.
  • Pneumotórax: é uma contraindicação absoluta ao voo, uma vez que o gás pode se expandir (na altitude dos voos comerciais, até 25% acima do seu volume inicial) e levar a pneumotórax hipertensivo. Após drenagem adequada, é seguro que os pacientes possam viajar dentro de 2–3 semanas.
  • Derrame pleural: devem ser drenados pelos menos 14 dias antes da viagem, para segurança.
  • Doença vascular pulmonar: embolia pulmonar prévia e hipertensão pulmonar, em especial, possuem risco de exacerbações. Além de anticoagulação, esses pacientes podem requerer oxigênio suplementar.

A maioria dos pacientes que já usam oxigênio domiciliar e o fazem numa taxa de 1–2 L/min devem aumentar nos voos para 4 L/min, a fim de garantir a mesma PaO2. Os dispositivos disponibilizados pelas companhias aéreas geralmente garantem um fluxo de 2–4 L/min.

 

GRAVIDEZ E VOOS — É SEGURO VIAJAR?

gravida no aviao - pediatria

Voos comerciais não apresentam, em geral, riscos especiais às gestantes. Algumas observações, no entanto, são importantes para essa população:

  • É prudente evitar alimentos que promovam a produção de gases nos dias antecedentes ao voo. Como dito anteriormente, naquela altitude os gases se expandem e podem provocar desconforto abdominal.
  • Quando as grávidas estiverem acometidas por hiperêmese ou propensas a vômitos, a turbulência pode predispor esses fenômenos, devendo-se considerar tratamento com antieméticos.
  • Afivelar o cinto do banco logo acima da pelve ou da parte superior das coxas, reduzindo o risco de trauma abdominal conforme as movimentações da aeronave/turbulências.
  • Devido ao risco aumentado de TVP com a gravidez, é aconselhável que gestantes deambulem a cada 1–2 horas, bem como usem meias compressoras e roupas adequadas.
  • Não realizar viagens caso apresentem sangramentos ou dor, especialmente no primeiro trimestre.
  • Se com idade gestacional (IG) >36 semanas, devem ter um certificado do obstetra liberando-as para viagens aéreas, especialmente em voos longos ou transoceânicos. Uma cartilha lançada em 2011 pelo Conselho Federal de Medicina em parceria com a Faculdade de Medicina da Santa Casa de São Paulo, que não cita suas referências, orienta que gestantes com IG >38 semanas apenas embarquem em viagens aéreas acompanhadas dos respectivos médicos responsáveis.
  • Reconsiderar a viagem em mulheres com gestações múltiplas, antecedente de partos prematuros, incompetência cervical, sangramentos ou aumento da atividade uterina.
  • Condições que resultem em redução da reserva respiratória placentária podem requerer uso de oxigênio suplementar durante a viagem.

 

PARTICULARIDADES EM PEDIATRIA

Assim como visto para mulheres grávidas, em geral os voos são perfeitamente seguros também para crianças. Entretanto, é prudente que os pais aguardem de 1–2 semanas para realizarem viagens aéreas com recém-nascidos (período em que defeitos congênitos têm mais propensão de se manifestar).

Crianças com otite média aguda (OMA) apresentam risco aumentado de otalgia, especialmente durante a descida. Em Pediatria, a OMA não constitui contraindicação ao voo, desde que o tratamento apropriado com antibióticos tenha sido iniciado pelo menos 36 horas antes da partida e que tenham o tubo de Eustáquio patente.

thumb antibioticos para otmaVeja também: Qual Antibiótico Escolher para o Tratamento da Otite Média Aguda?

É importante recomendar aos pais que viajam com crianças para áreas de transmissão de doenças diarreicas a levarem consigo sempre sais para reidratação oral, caso as crianças adoeçam.

Também é relevante lembrar que os maiores riscos de lesões e morte que as crianças correm em viagens se devem a acidentes automobilísticos, de maneira que se faz necessário o carregamento de assentos especiais para serem usados na viagem em seu destino.

 

OTORRINOLARINGOLOGIA

Os otorrinolaringologistas (ORL) contraindicam viagens aéreas para pacientes com efusões, infecções e cirurgias recentes no ouvido médio, pelo risco de rotura da membrana timpânica e de sangramento. Esta parte da diretriz é um pouco conflituosa com o exposto sobre OMA anteriormente. No entanto, a recomendação em Pediatria se baseia em uma pesquisa realizada sobre esse assunto em crianças (Schwartz RH. Hazards of air travel for a child with otitis. Pediatr Infect Dis J 1989; 8:542-3), enquanto que, aparentemente, a da equipe de ORL assemelha-se à opinião de especialistas.

Sinusite aguda ou crônica, pólipos grandes, cirurgia nasal recente, epistaxes recorrentes e infecções graves de vias aéreas superiores são contraindicações a voar, pelo risco de obstrução do óstio sinusal e dificuldades de equalização de pressões, podendo levar a cefaleia, dor facial, extensão da doença para o sistema nervoso central e órbita ocular e a sangramentos.

Pacientes submetidos a tonsilectomia e adenoidectomia, palatoplastia ou reparo de nervos nasal ou facial devem aguardar cerca de 2 semanas para realizar viagens aéreas. Aqueles que passaram por procedimentos plásticos cirúrgicos faciais devem aguardar de 1–2 semanas. Em todos os casos, um ORL deve avaliar o paciente antes de sua liberação para viajar.

 

PÓS-OPERATÓRIOS

Acredita-se que tais casos de cefaleia intensa sejam consequência do vazamento de fluido espinhal para o espaço dural

Anestesias gerais não constituem contraindicações às viagem de avião. Entretanto, já houve relatos de cefaleia intensa após anestesias espinhas até 7 dias após o procedimento.

Como as cirurgias podem levar a uma perda sanguínea e consequente anemização dos pacientes, deve-se considerar o uso de oxigênio suplementar para o paciente anêmico que não possa postergar a viagem, com atenção especial a idosos.

Cirurgias abdominais, pelo risco de formação de íleo paralítico por vários dias, podem levar a expansão dos gases intra-abdominais e, consequentemente, rotura das suturas, sangramentos e hemorragia, devendo o paciente aguardar de 1–2 semanas para realizar a viagem. Cirurgias laparoscópicas, por estarem menos associadas ao íleo paralítico, podem ter liberação em 24 horas se o paciente não tiver distensão abdominal.

Pneumoencéfalo, no entanto, pode levar a aumento da pressão intracraniana, devendo-se aguardar pelo menos 7 dias antes da realização de viagens (e preferencialmente documentar a reabsorção de ar através de exames de imagem).

 

CONDIÇÕES NEUROLÓGICAS E PSIQUIÁTRICAS

dores ao viajar de aviao

A maioria dos portadores de epilepsia pode viajar com segurança. No entanto, aqueles que apresentam escapes frequentes devem ser aconselhados a viajar acompanhados. Pacientes com história recente de acidente vascular cerebral também necessitam de um período de observação até que que se garanta que estejam suficiente estáveis para realizar viagens.

Portadores de transtornos psiquiátricos com comportamentos imprevisíveis, agressivos, desorganizados, disruptivos ou inseguros não devem fazer viagens aéreas. Já aqueles com transtornos psicóticos que estejam medicados e estáveis podem viajar com segurança, mas recomenda-se que o façam com acompanhantes. Outras situações, como claustrofobia e outras fobias relacionadas a aviões e aglomerações, podem causar ansiedade, que pode ser conduzida tanto com medidas comportamentais quanto com medicações ansiolíticas. Lembrar de testar o efeito do paciente a tais medicações quando ainda em solo, dias antes da data de embarque, a fim de se avaliar sintomas alérgicos, efeitos colaterais graves e até mesmo respostas idiossincráticas. Aqueles em terapia de desintoxicação de drogas e álcool devem estar completamente livres de sintomas de abstinência antes da viagem, de forma a se evitar exacerbações.

 

MISCELÂNIA

  • Enjoos no avião: podem ser prevenidos com o uso de mediações antieméticas profiláticas, além de manter o paciente bem ventilado com ar fresco diretamente no rosto e recomendar que ele fixe o olhar no horizonte. É recomendável escolher assentos próximos às asas (onde há menor amplitude de movimento longitudinal da aeronave) e evitar excessos de líquidos, alimentos gordurosos e formadores de gases.
  • Anemia: em geral, considera-se seguro que pacientes tenham um nível de hemoglobina de pelo menos 8,5 g/dL para voos. Pacientes com anemias crônicas, no entanto, podem tolerar hipóxias muito melhor que pacientes com anemias agudas com valores menores que esses, de maneira que as recomendações devem ser individualizadas. No caso de dúvidas, indicar oxigênio suplementar. Pacientes portadores de anemia falciforme, em situações de hipóxia, podem ter crises de falcização, que são potencialmente fatais. Esses pacientes, portanto, não devem fazer viagens aéreas sem o uso de oxigênio suplementar.
  • Doença da descompressão (DD): pode ocorrer em pessoas que realizam mergulhos profundos, e é particularmente uma preocupação pois sua ocorrência é facilitada pela exposição a baixas pressões (como dentro das cabines durante o voo) logo após o mergulhador ter sido submetido a altas pressões barométricas (mergulho). Pode levar à formação de microbolhas de nitrogênio em diferentes tecidos, ocasionando desde dor muscular e articular até asfixia pulmonar e choque. Assim, para uma pessoa que fez um único mergulho no dia, recomenda-se que um mínimo de 12 horas de permanência em superfície antes do embarque. Para aqueles que realizam vários mergulhos por dia, ou por muitos dias seguidos, ou que fazem mergulhos que requerem paradas descompressivas obrigatórias, um período maior que 12 horas na superfície é recomendado (geralmente pelo menos 24 horas). Casos em que o paciente inicie sintomas de DD antes do embarque são absolutamente contraindicados para o voo, devendo receber tratamento pressurizante específico até que os sintomas remitam antes de poder viajar novamente.
  • Diabetes mellitus (DM): na maioria dos casos, não constitui um obstáculo aos voos, desde que bem controlado. Para pacientes com necessidade de terapia insulínica, lembrar o paciente de que ele não deve despachar a insulina com a bagagem, já que as temperaturas extremas a que esse compartimento é submetido durante o voo podem provocar congelamento e desnaturação da medicação. Para pacientes com aplicação de múltiplas doses de insulina ao longo do dia, ajustes nas doses (dependendo se o paciente viaja para leste ou oeste, em diferentes fusos-horário) podem ser orientado pelo especialista, com retorno às doses habituais quando já estiver no local de destino. É importante orientá-los a realizar controle entre as refeições, em intervalos entre 4–6 horas durante o voo, para ajustar a aplicação das doses de insulina. Muitas companhias aéreas oferecem uma “refeição para diabéticos”, mas geralmente elas são formuladas para pacientes com DM tipo 2 e podem conter quantidade insuficiente de carboidratos para pacientes com DM tipo 1. A opção “vegetariana”, normalmente composta por arroz ou carboidratos, é uma alternativa para esses casos. Sempre orientar o paciente ou cuidador a carregar consigo algum carboidrato no caso de atrasos dos voos ou mesmo das refeições.
  • Diarreia: a diarreia do viajante é uma preocupação especial para pessoas que viajam para determinadas áreas, especialmente para países em desenvolvimento onde há doenças diarreicas endêmicas ou locais com má qualidade sanitária. Sempre a primeira linha de tratamento é a reposição eletrolítica, especialmente, como dito anteriormente, em crianças e pacientes idosos ou frágeis. Hidratar bem o paciente adoecido, com ingestão de outros líquidos entre as tomadas de sais para reidratação oral, é aconselhável.
  • Fraturas: gessos podem aprisionar bolsas de ar em seu interior, sendo sensato ao paciente aguardar de 24–48 horas antes de embarcar em um voo até que o gesso esteja seco e que o risco de expansão do material e de síndrome compartimental regrida. Particularmente para fraturas com imobilização acima do joelho, por questões de segurança, algumas companhias aéreas requerem que o paciente seja transportado em macas, o que pode demandar a compra de assentos extras para sua acomodação.
  • Condições oftalmológicas: algumas cirurgias, como aquelas para reparo de descolamento de retina, necessitam da aplicação de gás intraocular para aumento temporário da pressão. Nesses casos, voos só são permitidos após diminuição da bolha para menos de 30% do volume do vítreo, o que pode levar 2 semanas se for usado hexafluoreto de enxofre e 6 semanas no caso de perfluoropropano. Doenças que causam ressecamento ocular ou usuários de lentes de contato, que também podem sofrer com a baixa umidade do ar, não têm contraindicação, uma vez que podem fazer uso de colírios lubrificantes. Aqueles com quadros de conjuntivite devem estar num estágio não infeccioso da doença para que sejam liberados para viagens aéreas.

É importante ressaltar que, se o médico tiver qualquer dúvida, a companhia aérea deve ser acionada (a maioria das companhias aéreas internacionais possui um departamento médico ou contrata serviços médicos para prestação de ajuda à tripulação durante o voo, o que infelizmente não é regra no Brasil). Companhias aéreas podem requerem um atestado médico afirmando que certa condição médica do passageiro não acarretará contágio ou risco para outros passageiros, bem como uma declaração que ateste que o passageiro encontra-se estável e apto para o voo. Para doenças contagiosas, deve-se certificar também que o passageiro não apresenta risco de disseminar tal infecção (como no caso da tuberculose, já detalhado).

Nos casos em que oxigênio suplementar é necessário, deve-se alertar o paciente de que as companhias geralmente só o oferecem durante o voo, de modo que arranjos especiais devem ser combinados com equipes dos aeroportos e com companhias de venda de oxigênio se houver necessidade de uso contínuo desse gás. Vale lembrar, ainda, que a maioria das companhias aéreas, também por questões de segurança, não permite que os pacientes viagem dentro das cabines com seus próprios dispositivos, sendo necessário contratar o fornecimento de oxigênio adicionalmente e previamente.

Por fim, como o próprio documento da ASMA afirma, as informações contidas aqui são diretrizes, não critérios rígidos. Como qualquer conduta que tomamos para nossos pacientes, elas devem ser individualizadas conforme o julgamento do paciente.

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Antonio Junior

Médico pediatra especializado em medicina intensiva pediátrica, com graduação e especialização pela Unicamp.

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