Zika: vacina, infecções em gestantes e transmissão por pernilongos
Atualize-se sobre o vírus Zika. Novidades científicas sobre mecanismos de ação, transmissão e prevenção.
O Zika vírus tem sido uma das grandes preocupações relacionadas à saúde da população brasileira desde 2015. Até o final do ano passado, mais de 200 mil casos da doença haviam sido reportados no país1. Em 2017, apesar da grande diminuição de incidências — foram cerca de 8 mil até meados do mês de abril —, o Zika vírus continua na mente dos brasileiros. E em especial das mulheres grávidas.
Confira, a seguir, atualizações das vacinas para Zika e o que os cientistas têm descoberto sobre os mecanismos de ação e transmissão do vírus.
> MALFORMAÇÕES: SEGREDOS MOLECULARES DE AÇÃO DO VÍRUS
> COMO ESTÃO AS PESQUISAS SOBRE O VACINA CONTRA O ZIKA?
> NOVO VETOR É IDENTIFICADO
POR QUE O ZIKA VIRUS PROMOVE MALFORMAÇÕES NOS FETOS?
Já são bem conhecidos os estudos clínicos que comprovam que a infecção pelo vírus da Zika durante o 1º e 2º trimestres de gravidez está fortemente associada a anormalidades no feto, como a microcefalia. Mas os mecanismos exatos pelos quais o vírus afeta de maneira tão impactante a saúde das gestantes e da prole ainda são desconhecidos.
Estudo realizado por pesquisadores da Universidade do Sul da Califórnia (USC) e publicado no periódico científico Nature Microbiology traz nova luz ao assunto. A pesquisa mostrou que o Zika vírus afeta os bebês ainda na barriga das mães ao suprimir o sistema imunológico da gestante. A pesquisa foi a primeira a mostrar que o vírus ataca células de defesa específicas do organismo infectado.
ESTRATÉGIA DO ZIKA PARA PROLIFERAÇÃO
“Mulheres grávidas são mais suscetíveis ao Zika vírus porque a gravidez suprime naturalmente o sistema imune da mulher, para que seu organismo não rejeite o feto — que é, essencialmente, um corpo estranho”, explica Jae Jung, professor de Microbiologia Molecular e Imunologia da USC e um dos autores do artigo. “O Zika vírus se aproveita dessa fraqueza para infectar e se replicar”.
Para chegar a essa conclusão, o grupo de Jung infectou amostras de sangue de mulheres grávidas com as cepas africana e asiática do Zika vírus. Os pesquisadores verificaram que o vírus atacou células de defesa chamadas monócitos-CD14+, que normalmente se transformam em macrófagos — células que atacam vírus e bactérias potencialmente perigosos e ajudam a manter o organismo saudável.
A cepa asiática, em particular, fez com que os monócitos se transformassem em um tipo especial de macrófago — macrófagos M2 —, cuja função é avisar ao sistema imune para “relaxar”, porque a ameaça externa já foi combatida. Esse falso sinal atenua o sistema de defesa do corpo e permite ao vírus replicar-se rapidamente e com maior eficiência.
Para mulheres no 1º e 2º trimestres de gravidez, o vírus é ainda mais prejudicial, pois o organismo produz naturalmente uma quantidade maior de macrófagos M2 para prevenir que o feto seja rejeitado.
“Durante a gravidez, o organismo fica mais suscetível a infecções oportunistas”, diz Suan-Sin Foo, primeira autora do artigo e pesquisadora associada do laboratório de Jung. “Com a ajuda do sistema imune naturalmente enfraquecido da mulher grávida, é possível ao Zika vírus atingir o útero e atacar o bebê vulnerável”.
ALÉM DO SISTEMA IMUNE, INFLUÊNCIAS TAMBÉM GENÉTICAS
Os pesquisadores também analisaram amostras de sangue de 30 mulheres grávidas infectadas com a cepa. Elas mostraram uma expressão significativamente mais alta dos genes ADAMTS9 e FN1, que são associados a complicações na gravidez, como bebês abaixo do peso e partos prolongados ou complicados (ADAMTS9) e anormalidades no útero que resultam em bebês pequenos e em pré-eclâmpsia (FN1).
FUTURO: VACINAS CONTRA ZIKA
Vacinas contra o Zika vírus já estão em fase de teste clínico desde 2015, auge da epidemia da doença em diversas partes do mundo, especialmente nas Américas. Todavia, até hoje, nenhuma recebeu aprovação para uso em humanos.
Um grave problema das versões atuais é a baixa especificidade. Muitas versões em testes estimulam uma resposta imune contra o envelope proteico que recobre o vírus da Zika. Porém, há grande similaridade entre este envelope e aquele que recobre os vírus da dengue e da febre do oeste do Nilo (West Nile); assim, se uma pessoa que já contraiu essas doenças receber tais vacinas, poderá ter uma resposta imune violenta e potencialmente fatal.
No início do mês passado, pesquisadores do Instituto de Biodesign da Universidade do Arizona (IB-UA), nos Estados Unidos, relataram ter criado uma versão extremamente barata, rápida de ser produzida e segura de vacina para o Zika, feita para contornar este obstáculo genético.
Os pesquisadores identificaram uma sequência de DNA única do Zika no domínio III do envelope proteico, a qual foi utilizada como base da produção da vacina, conferindo alta especificidade e eficiência.
Além disso, a vacina foi criada a partir de plantas. Primeiro, a sequência de DNA é clonada em bactérias e, depois, multiplicada em plantas de tabaco. Tal método traz duas vantagens: permite produzir rapidamente e com baixo custo uma vacina contendo antígeno específico para o Zika e evita potenciais problemas de segurança, que podem ocorrer com vacinas criadas a partir de partículas virais ou vírus atenuados.
Em testes com camundongos, a eficiência da nova vacina foi de 100% para diversas cepas do vírus da Zika. Os pesquisadores esperam que testes clínicos em humanos se iniciem dentro dos próximos dois anos.
VACINAÇÃO CONTRA ZIKA EM GRÁVIDAS: PRIORIDADE
Tanto os cientistas da Universidade do Arizona quanto os autores do estudo sobre o sistema imune materno concordam: as grávidas devem ser o público-alvo dos testes com as novas vacinas.
“As vacinas contra o Zika vírus em desenvolvimento parecem ser efetivas, mas elas estão sendo testadas entre mulheres que não estão grávidas, cujo organismo tem uma química diferente do que mulheres grávidas”, diz Jae Jung. “É possível que a dose recomendada de uma vacina, apesar de ser eficiente para mulheres não gestantes, não seja potente o suficiente para mulheres grávidas, devido ao fato de que seus organismos estão mais tolerantes em relação aos vírus”, comenta.
MAIS UM VETOR IDENTIFICADO: O PERNILONGO COMUM
Em uma outra novidade correlacionada, cientistas da Fundação Oswaldo Cruz em Pernambuco relataram no último mês que o Zika pode, em tese, ser transmitido também pelo pernilongo comum.
Em estudo publicado na revista Emerging microbes & infections, os pesquisadores identificaram partículas virais nas glândulas salivares e na saliva de mosquitos Culex coletados na região metropolitana do Recife.
Apesar do trabalho ainda não provar que o pernilongo transmite, de fato, a doença, os pesquisadores ressaltam que ele passa a ser forte candidato a transmissor da Zika, entrando para um rol que inclui, por ora, o Aedes aegypti e o Aedes albopictus.
Muitos estudos ainda são necessários para se chegar a uma forma efetiva de ação contra o vírus Zika. Enquanto isso, a melhor estratégia continua sendo a prevenção. O PortalPed preparou um guia de repelentes com as principais marcas à venda no Brasil, descrevendo seus diferenciais. Acompanhe no link a seguir.
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REFERÊNCIAS
- http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/situacao-epidemiologica-dados-zika
- Foo S. et al. Asian Zika virus strains target CD14+ 1 blood monocytes and induce M2-skewed 2 immunosuppression during pregnancy. Nature Microbiology (2017). https://www.nature.com/articles/s41564-017-0016-3
- Ming Yang et al. Virus-like particles that display Zika virus envelope protein domain III induce potent neutralizing immune responses in mice. Scientific Reports (2017). https://www.nature.com/articles/s41598-017-08247-9
- Duschinka RD Guedes et al. Zika virus replication in the mosquito Culex quinquefasciatus in Brazil. Emerging Microbes & Infections (2017) 6. http://www.nature.com/emi/journal/v6/n8/full/emi201759a.html?foxtrotcallback=true