Alergia à Amoxicilina/Penicilina – é realmente alergia?
Estudo testa crianças com suposta alergia à penicilina – comumente relatada pelos pais na prática pediátrica, porém rara na realidade. Será que há tantos casos assim de alergia?
Trazemos, a seguir, a revisão de um artigo publicado no Pediatrics em agosto de 2017, intitulado “Allergy Testing in Children With Low-Risk Penicillin Allergy Symptoms“, que investiga os dados reais de alergia à penicilina em uma população jovem.
Assim como ocorre nos Estados Unidos, no Brasil as penicilinas são os antibióticos mais usados em pediatria e os mais relacionados à alergia. Sabemos que muitas das crianças são classificadas como alérgicas baseadas em relatos dos pais. Também sabemos – ou, pelo menos, temos a intuição – que grande parte dessas crianças não são alérgicas, já que muitas doenças infecciosas na faixa etária pediátrica evoluem com exantema. Esse estudo é uma pequena amostra de que nossa intuição está correta.
A estigmatização de um paciente pediátrico como alérgico à penicilina implica em consequências importantes, como:
- a privação de tratamento com um antibiótico muitas vezes de primeira linha para uma determinada infecção bacteriana,
- a substituição por antibióticos não tão eficazes ou de maior espectro,
- a contribuição com o aumento da resistência bacteriana aos antibióticos,
- custos elevados de tratamento.
ESTUDO: QUAL A PORCENTAGEM REAL DE CASOS DE ALERGIA À PENICILINA?
O estudo em questão identificou crianças e jovens de 3.5 a 18 anos que foram atendidos em um único serviço de emergência e cujos pais relataram alergia à penicilina. Os pesquisadores coletaram informações em um questionário de 17 itens, obtendo detalhes sobre a reação alérgica. As perguntas incluídas no questionário eram: idade da criança quando apresentou a alergia, qual antibiótico estava tomando quando teve alergia, a indicação do antibiótico prescrito, quais os sintomas da reação alérgica e história familiar de alergia.
O objetivo era identificar uma coorte de crianças de “baixo risco”, que provavelmente não possuíam alergia verdadeira à penicilina, representando grupo sem risco de reação grave mediada por IgE ou células T e que, portanto, poderiam ser testadas para a alergia à penicilina.
Os pacientes com alto risco de alergia à penicilina foram eliminados. Isso incluiu crianças cujas reações apresentavam componentes respiratórios ou cardiovasculares, incluindo sibilância, dispneia, edema das vias aéreas, síncope, alterações da pressão arterial e reações cutâneas (angioedema orofacial, eritema difuso ou reações cutâneas bolhosas como Síndrome de Stevens-Johnson e necrólise epidérmica tóxica). Qualquer sintoma de anafilaxia também foi classificado como alto risco. As reações de baixo risco foram as que envolvem a pele (com ou sem prurido), sintomas gastrointestinais (vômitos ou diarreia) e alguns sintomas respiratórios superiores (coriza ou tosse). Os que apresentavam apenas uma história familiar de alergia foram considerados como de baixo risco.
O questionário foi aplicado de forma completa para 597 crianças. Dessas, 73% foram consideradas de baixo risco, de acordo com o instrumento de triagem. Vinte e sete por cento das crianças tinham pelo menos um sintoma de alto risco para alergia. 100 crianças elegíveis foram submetidas a sequência completa de testes, constituído de teste percutâneo, seguido de um teste intracutâneo, mais sensível, e por último o enfrentamento oral.
O ESTUDO
- Allergy Testing in Children With Low-Risk Penicillin Allergy Symptoms
- David Vyles, Juan Adams, Asriani Chiu, Pippa Simpson, Mark Nimmer, David C. Brousseau.
- Pediatrics Volume 140, number 02, agosto de 2017.
RESULTADOS DO ESTUDO
A mediana de idade foi de 9 anos (5-12) e a idade mediana no diagnóstico de alergia foi de 1 ano (9 meses a 3 anos).
A erupção cutânea (97%) e o prurido (63%) foram os sintomas mais comumente relatados.
- 17% relataram urticária,
- 7% diarreia,
- 2% tinham náusea,
- 2% vômito;
- ≤ 1% das crianças relataram outros sintomas.
Quanto ao diagnóstico, 75% relataram ter recebido antibiótico para tratamento de otite e 12% para tratamento de infecção de garganta. As famílias relataram que em 92% dos casos o diagnóstico de alergia foi feito por médico, porém somente 14% dos episódios relatados como alérgicos foram presenciados por médicos. Todas as crianças apresentaram resultado negativo para alergia no teste oral. Somente 3 crianças apresentaram teste percutâneo positivo.
O estudo conclui que os sintomas relatados pelos pais e caracterizados como de baixo risco não correspondem a alergia verdadeira e que um questionário para esta avaliação pode aumentar o uso de penicilinas.
Comentários PortalPed
- Existe um excesso de diagnóstico de alergia à penicilinas, muitas vezes baseado em relatos subjetivos fornecidos pelos pais. Soma-se a isso o uso indiscriminado de antibióticos e as inúmeras infecções virais que cursam com exantema. Os médicos devem ser céticos quanto a este diagnóstico e uma anamnese mais detalhada, além de avaliação por um médico no momento da manifestação clínica possivelmente alérgica, pode ajudar a descartar essa hipótese.
- Os autores não divulgaram o questionário utilizado no estudo de forma integral, então, acreditamos que ainda não exista uma validação que permita o uso com segurança dessa ferramenta. No caso de dúvida no diagnóstico, principalmente para reações não mediadas por IgE, o paciente pode ser encaminhado para um alergista/imunologista para confirmação diagnóstica.
Ponto crítico do estudo
- Idade em que os pacientes foram avaliados: as manifestações clínicas de alergia ocorreram por volta de 1 ano (9 meses – 3 anos) e o estudo incluiu crianças de 5 a 12 anos, com mediana de 9 anos. Sabe-se que muitas das crianças que apresentam alergia à penicilinas deixam de ser sensíveis algum tempo após a primeira manifestação alérgica.
- Alguns dos sintomas classificados como de baixo risco, como diarreia, vômitos e história familiar de alergia, não se enquadram obrigatoriamente como alergia, e isso pode ter contribuído para o elevado número de pacientes que não apresentaram confirmação de alergia pelos métodos empregados no estudo.
Qual a sua impressão? Deixe seu comentário abaixo.