Princípios do tratamento de dislipidemias em crianças e adolescentes
Como reconhecer os casos de dislipidemias e quais são as maneiras mais eficientes de reverter o quadro e melhorar a saúde dos jovens?
Complementando o post anterior de quando devemos pesquisar a dislipidemia em crianças, trazemos hoje um breve resumo sobre princípios de tratamento desse amplo grupo de patologias, que muitas vezes são negligenciadas na pediatria.
Tal qual o post anterior, baseamos esse resumo em 3 documentos:
- American Association of Clinical Endocrinologists and American College of Endocrinology Guidelines for management of dyslipdemia and prevention of cardiovascular disease, publicado no Endocrine Practice em abril de 2017;
- V Diretriz Brasileira de Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose, publicada nos Arquivos Brasileiros de Cardiologia, em outubro de 2013;
- Dyslipidemia in children: Definition, screening, and diagnosis. Revisão do UpToDate, de agosto de 2017.
O assunto é bem amplo e a gama de subdiagnósticos dentro do rol das dislipidemias é imenso e, por isso, na maioria dos casos, esses pacientes devem ser avaliados pelo endocrinologista pediátrico. Entretanto, é essencial que conheçamos os princípios do tratamento, os alvos terapêuticos e as classes de drogas que podemos utilizar na população pediátrica.
Dislipidemias em crianças — informações essenciais
A lógica para iniciarmos o tratamento das dislipidemias em crianças é que essas condições — em especial o LDL aumentado — estão correlacionadas com o aparecimento da doença aterosclerótica e, portanto, com o desenvolvimento precoce da doença cardiovascular. Diferentemente dos adultos, o HDL baixo na infância não é motivo de grande preocupação. Não parece haver qualquer relação dos níveis baixos do HDL na infância com o desenvolvimento da doença aterosclerótica. Além disso, mais de 50% das crianças com HDL baixo apresentarão HDL normal na vida adulta.
Indubitavelmente, a mudança de estilo de vida é o carro chefe do tratamento. A orientação nutricional, o aumento da atividade física e pequenas mudanças em certas rotinas e hábitos costumam trazer inúmeros benefícios, além de comprovadamente serem custo-efetivas.
TRATAMENTOS DAS DISLIPIDEMIAS
Atividade física
A prática regular de atividade física deve ser recomendada, independentemente do perfil lipídico do paciente, conforme já comentamos em artigo anterior. Ela aumenta a força, a flexibilidade, melhora a sensibilidade periférica à insulina, melhora a performance cardiovascular, promove melhora em fatores de risco para desenvolvimento de dislipidemias, reduzindo a obesidade, melhorando os níveis pressóricos, além de promover aumento dos níveis de HDL.
A recomendação mínima, em adultos, é de ao menos 30 minutos ao dia de atividade física de moderada intensidade, ao menos 4–6 vezes por semana. Exercícios aeróbicos são preferidos, mas exercícios anaeróbicos também demonstram benefício.
Terapia nutricional
A dieta também tem impacto direto nos níveis de lípides séricos e, portanto, é determinante no risco cardiovascular.
A substituição de ácidos graxos mono e poli-insaturados por gorduras trans, hábito cada vez mais comum na vida contemporânea, em que o fast food impera, é um dos principais responsáveis pela elevação dos níveis de LDL. De maneira geral, devemos recomendar dieta rica em frutas e vegetais (>5 porções ao dia), grãos, cereais ricos em fibras, peixes, carnes vermelhas magras ou frango sem a pele.
A ingestão de fitoestanóis e fitoesteróis, além de consumo de óleo de peixe, têm efeitos comprovados na redução do colesterol LDL e triglicérides. A suplementação de fibras normalmente não está indicada em crianças. Deve-se tentar atingir a meta (6 gramas/dia entre 6–12 anos e >12 gramas/dia em maiores de 12 anos) apenas com a adequação dietética.
Deve-se limitar o total de calorias provenientes de gordura saturada a <7% do total da ingesta diária, além de <1% de gorduras trans. Nas crianças com hipertrigliceridemia, em especial, deve-se limitar a ingestão de carboidratos.
Terapia medicamentosa
A terapia medicamentosa normalmente está reservada aos casos mais severos e não respondedores (pelo menos 6 meses de eficaz mudança de estilo de vida e alimentação). Além disso, no geral, ela só é iniciada nos maiores de 10 anos de idade. Não há estudos randomizados controlados em crianças e a maioria das recomendações surgem de evidências indiretas. Sendo assim, o apoio do especialista na decisão em utilizar o tratamento medicamentoso, assim como ao escolher a droga a ser utilizada é essencial.
Em crianças abaixo dos 10 anos, a indicação de tratamento medicamentoso é reservadíssima, devendo ser usada em casos severos de hiperlipidemia familiar, com LDL acima de 400 mg/dl ou triglicérides acima de 500 mg/dl.
O atual consenso entre especialistas na área é restringir o uso da terapia medicamentosa aos seguintes grupos:
- LDL acima de 190 mg/dl
- LDL acima de 160 mg/dl e:
- história familiar de doença aterosclerótica precoce (abaixo dos 55 anos);
- obesidade ou elementos da síndrome de resistência à insulina;
- com a presença de 2 ou mais fatores de risco cardiovasculares (veja no quadro a seguir).
OS FATORES DE RISCO CARDIOVASCULARES
- obesidade;
- hipertensão;
- diabetes;
- doença renal crônica;
- transplante renal;
- síndrome nefrótica;
- doença inflamatória crônica, entre outros.
De maneira geral, entre os adultos, a primeira classe de medicações a ser utilizada é a das estatinas. Elas são as medicações que mais eficazmente produzem uma redução dos níveis de colesterol total e LDL, com diminuição comprovada do risco de eventos cardiovasculares. Promovem redução de 20 a 40% nos níveis de LDL, sem ocasionar outros efeitos metabólicos significativos nem prejuízo no crescimento. Os efeitos colaterais das estatinas incluem miopatia, que se manifesta como dor muscular e elevação das enzimas musculares, e elevação das enzimas hepáticas. A incidência de efeitos colaterais é baixa, mas deve ser monitorada. Elas ocorrem principalmente quando o paciente faz uso de outra droga cujo metabolismo utiliza a via do citocromo p450. É recomendado também evitar a gravidez durante o uso de estatinas. Portanto, meninas em idade fértil devem ser adequadamente orientadas.
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