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Adenoamigdalectomia em Crianças com Infecção de Garganta Recorrente

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Se a criança tem infecções recorrentes de garganta, a adenoamigdalectomia é uma opção eficaz? Veja o que diz a mais recente revisão sistemática sobre o assunto.

Adenoamigdalectomia versus Seguimento Clínico para Infecção de Garganta Recorrente: uma Revisão Sistemática (Pediatrics, Jan 17)

Esse é uma revisão sistemática da literatura atual, publicada na Pediatrics deste ano, conduzida e financiada pela Agência Americana para Pesquisa em Saúde e Qualidade e pelo Centro Vanderbilt de Medicina Baseada em Evidência. Trata-se de um tema que gera muita discussão, especialmente entre os otorrinolaringologistas e os pediatras. O estudo busca encontrar uma resposta segura para a pergunta: a adenoamigdalectomia é eficaz para crianças com infecção de garganta recorrente? Você sabe a resposta?

 

 

A princípio, a adenoamigdalectomia tem 2 indicações: a tonsilite de repetição e a apneia obstrutiva do sono. Quando buscamos estudar a primeira, logo já esbarramos num entrave inicial: existe uma enorme variação na definição de frequência dos episódios de tonsilite para definir o quadro de repetição. A seguir, nos deparamos com os critérios diagnósticos da tonsilite por si só. O quadro de dor de garganta pode ser devido a inúmeras etiologias diferentes, infecciosas ou não, e a propedêutica alterada das amígdalas pode ser decorrente dessas diferentes etiologias. Nem sempre o teste rápido para pesquisa do Streptococcus beta-hemolítico é realizado e vale lembrar que a positividade do teste isoladamente não significa infecção (pode ser somente colonização).

O trabalho de elaboração de uma revisão sobre o tema é hercúleo, devido a fatores como a dificuldade em se estabelecer a gravidade dos quadros e o diagnóstico etiológico da tonsilite

Toda essa heterogeneidade é refletida nessa revisão sistemática, pois a dificuldade em se estabelecer o diagnóstico etiológico da tonsilite, a variabilidade de critérios diagnósticos, a dificuldade em se estabelecer a gravidade dos quadros, a falta de definição de critérios para definir o quadro de repetição e a presença de fatores confundidores nos diferentes estudos tornaram hercúleo o trabalho para elaboração da revisão.

 

DESENHO DA REVISÃO SISTEMÁTICA

Foram selecionados artigos pelo Pubmed, Embase e Cochrane Library entre 1980 e junho de 2016 que abordavam o tema. Foram incluídos trabalhos randomizados controlados e estudos de coorte retrospectivos e prospectivos, publicados em inglês. Foram excluídos os estudos que já se caracterizaram por alto risco de viés na publicação original. Então, um primeiro pesquisador extraiu os dados dos artigos, desde os seus desenhos e populações até seus resultados, de acordo com um formulário estruturado. A seguir, separadamente, um segundo pesquisador revisou o trabalho realizado pelo primeiro.

O próximo passo foi também realizado separadamente por 2 pesquisadores. Eles avaliaram a metodologia dos trabalhos, buscando responder perguntas preestabelecidas, e determinaram o risco de viés de cada estudo. Após, o grupo de pesquisadores determinou a força de cada evidência (SOE – strength of evidence) encontrada nos trabalhos, classificando a SOE em insuficiente, baixa, moderada ou alta. A SOE reflete a confiança dos autores na reprodutibilidade dos dados e na estabilidade dos efeitos dos tratamentos realizados.

criança com tonsilite - PortalPed

Ao final da seleção dos artigos, foram analisados 7 trabalhos, sendo 4 randomizados controlados, 1 não randomizado e 2 coortes retrospectivas. A revisão procurou encontrar respostas para: número e severidade das infecções de garganta recorrentes, qualidade de vida e utilização dos serviços de saúde (consultas e uso de antibiótico), de maneira comparativa entre o grupo de crianças que foi submetido a adenoamigdalectomia e o grupo de crianças que foi submetido apenas a seguimento clínico rigoroso.

 

RESULTADOS

  • Houve redução no número de dias de dor de garganta e infecções estreptocócicas em ambos os grupos, porém significativamente maior no grupo da abordagem cirúrgica, ao longo do primeiro ano de seguimento. (SOE moderada)
  • A qualidade de vida melhorou de maneira similar em ambos os grupos.
  • O número de dias de escola perdidos foi menor no primeiro ano de seguimento entre as crianças que foram submetidas ao tratamento cirúrgico. Não houve diferença a longo prazo. (SOE baixa)
  • Houve redução da procura a serviços de saúde no grupo da adenoamigdalectomia no primeiro ano seguimento. (SOE baixo)

Tanto o número de dias de dor de garganta como a utilização de serviços de saúde e o número de dias de escola perdidos mostraram que o tratamento cirúrgico é benéfico no primeiro ano de seguimento, porém a diferença entre os grupos diminuiu significativamente nos anos subsequentes.

Não foi possível comparar o impacto a longo prazo da intervenção ou não quanto ao número de infeções de garganta.

 

COMENTÁRIOS

Os autores ressaltam que há um outro fator confundidor importante: nas crianças que apresentam sintomas mais severos e maior número de infecções, há uma preferência tanto dos pais quanto dos médicos pelo tratamento cirúrgico, o que afeta diretamente a randomização dos grupos e promove a ocorrência de crossover, ou seja, troca do grupo de observação clínica para o grupo de intervenção cirúrgica durante o estudo.

Sabe-se que, naturalmente, o número de infecções de garganta tende a diminuir conforme o crescimento da criança, independentemente do tratamento realizado. Aliado a isso, parece haver uma tendência nos dados disponíveis mostrando que os benefícios a curto prazo da adenoamigdalectomia não persistem com o passar do tempo. Não existe nenhum fator preditor para escolha do paciente que mais se beneficiará do tratamento cirúrgico ou do seguimento clínico.

A decisão de realizar ou não o tratamento cirúrgico deve ser individualizada, sendo os riscos do procedimento levados em conta e os pais esclarecidos de que o benefício a longo prazo ainda não está bem estabelecido (…)

Infelizmente, a quantidade de informações sobre seguimento a longo prazo ainda é insuficiente para guiar uma decisão médica baseada em evidências.

A decisão de realizar ou não o tratamento cirúrgico deve ser individualizada, sendo os riscos do procedimento levados em conta e os pais esclarecidos de que o benefício a longo prazo ainda não está bem estabelecido, havendo uma tendência à sua inexistência. Entretanto, parece estar bem definido que, a curto prazo, os benefícios são notáveis.

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Dr. Sidney Volk

Médico pediatra especializado em medicina intensiva pediátrica, com graduação e especialização pela Unicamp. Membro do corpo editorial do PortalPed.

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