Associação entre Jejum Pré-Procedimentos e Eventos Adversos em Crianças no Pronto-Socorro
Analisamos novo artigo que estuda relação entre jejum pré-procedimentos e desfechos da sedação na emergência pediátrica.
O artigo de hoje, publicado este mês no JAMA Pediatrics e disponível gratuitamente no site, estudou a associação entre jejum pré-procedimentos e desfechos em relação à sedação em crianças nos departamentos de emergência no Canadá.
O ESTUDO
- Association of Preprocedural Fasting With Outcomes of Emergency Department Sedation in Children
- Maala Bhatt, David W. Johnson, Monica Taljaard et al
- JAMA Pediatr. Published online May 7, 2018. doi:10.1001/jamapediatrics.2018.0830
Com o objetivo de diminuir a ocorrência de eventos adversos, em especial a aspiração broncopulmonar do conteúdo gástrico, diretrizes de jejum pré-procedimentos foram desenvolvidas com base em consensos da opinião de especialistas da Sociedade Americana de Anestesiologistas e da Academia Americana de Pediatria (AAP). Essas diretrizes preconizam um período mínimo de jejum de:
- 2 horas para líquidos claros,
- 4 horas para leite materno,
- 6 horas para fórmulas infantis e refeições leves
- 8 horas para alimentos sólidos contendo carnes ou gordurosos.
Isso é questionado por alguns especialistas, que ponderam que a recomendação de jejum pré-procedimentos é reservada para aqueles eletivos, não se aplicando diretamente à sedação em PS, e que o risco de aspiração pulmonar clinicamente importante é significativamente menor e resultante do risco basal do paciente, das medicações usadas para sedação e dos procedimentos realizados. Vários estudos pequenos têm surgido correlacionando tempo de jejum até o procedimento com eventos de dessaturação, vômitos e apneia. Isso fez com que a AAP voltasse atrás e concluísse que a relação tempo de jejum-aspiração seja incerta para pacientes pediátricos, e que estudos maiores, com “muitos milhares de pacientes”, são necessários.
O ESTUDO
O estudo, uma coorte prospectiva, foi conduzido em 6 Prontos-Socorros pediátricos canadenses entre Julho de 2010 e Fevereiro de 2015. Incluiu pacientes com idades entre 0 e 18 anos que necessitaram de sedação parenteral para procedimentos dolorosos. Foram excluídas crianças que receberam drogas apenas para ansiólise ou analgesia sem a necessidade de sedação, e também aquelas em que houve alguma dificuldade de comunicação (para obtenção do consentimento informado).
Quatro resultados foram considerados: aspiração broncopulmonar clinicamente aparente, ocorrência de qualquer evento adverso (ex.: queda de saturação com necessidade de reposicionamento da via aérea, oferta de O2 ou ventilação com pressão positiva), eventos adversos graves ou vômito.
Eventos graves foram definidos como a ocorrência de apneia, laringoespasmo, hipotensão, bradicardia, obstrução completa da via aérea, aspiração broncopulmonar clinicamente aparente, lesão neurológica permanente ou morte.
OS RESULTADOS
Após análise inicial e exclusões por questões metodológicas, 6.183 casos foram eleitos para inclusão no estudo. Desses, 6.166 (99,7%) foram classificados como ASA I ou II, 4.124 (66,7%) eram do sexo masculino, e a idade média foi de 8 anos (faixa interquartil: 4–12 anos). Cetamina em monoterapia foi o sedativo mais comumente utilizado (n=3.847; 62,2%), e redução ortopédica foi o procedimento mais comum (n=4.076; 65,9%).
Um total de 2.974 crianças (48,1%) e 310 crianças (5%) não apresentavam critério ASA de jejum para sólidos e líquidos, respectivamente. No geral, 717 eventos adversos ocorreram (11,6%; IC 95%: 10,8%–12,4%). Não houve nenhum caso de aspiração broncopulmonar. Queda na saturação de oxigênio (n=340; 5,5%; IC: 5,0–6,1%) e vômitos (n=315; 5,1%; IC: 4,6%–5,7%) foram os eventos mais comuns. No caso dos vômitos, 6 eventos (de 315) ocorreram durante a sedação, enquanto que os demais se passaram no período de recuperação. Em todos esses casos, os pacientes fecharam critérios de jejum para líquidos preconizados pela ASA, e metade deles para sólidos. Reações sérias foram observadas em 68 pacientes (1,1%; IC: 0,9%–1,3%).
ASSOCIAÇÃO ENTRE JEJUM E EVENTOS ADVERSOS
A Tabela 1 abaixo mostra a correlação entre tempo de jejum e eventos adversos. O tempo de jejum foi classificado como curto (≤2 horas), intermediário (2–4 horas e 4–6 horas) e longo (>6 horas).
Duração | Qualquer Evento | Qualquer Evento | Eventos Graves | Eventos Graves | Vômito | Vômito |
Número (%) | IC 95% da Porcentagem | Número (%) | IC 95% da Porcentagem | Número (%) | IC 95% da Porcentagem | |
SÓLIDOS | Sólidos | Sólidos | Sólidos | Sólidos | Sólidos | Sólidos |
≤2 horas (n=112) | 11 (10,3) | 6,0–17,1 | 10 (0,9) | 0,2–4,7 | 4 (3,4) | 1,3–8,4 |
2–4 horas (n=888) | 105 (11,8) | 9,8–14,0 | 10 (1,1) | 0,6–2,0 | 50 (5,6) | 4,2–7,2 |
4–6 horas (n=2.007) | 223 (11,1) | 9,8–12,5 | 20 (1,0) | 0,7–1,5 | 94 (4,7) | 3,8–5,7 |
>6 horas (n=3.176) | 378 (11,9) | 10,9–13,1 | 38 (1,2) | 0,8–1,6 | 168 (5,3) | 4,6–6,1 |
LÍQUIDOS | Líquidos | Líquidos | Líquidos | Líquidos | Líquidos | Líquidos |
≤2 horas (n=310) | 32 (10,3) | 7,5–14,2 | 2 (0,6) | 0,1–2,2 | 15 (5,0) | 3,1–8,0 |
2–4 horas (n=1.205) | 174 (12,4) | 10,8–14,2 | 14 (1,0) | 0,6–1,7 | 79 (5,6) | 4,5–6,9 |
4–6 horas (n=2.056) | 222 (10,8) | 9,5–12,2 | 25 (1,2) | 0,8–1,7 | 88 (4,3) | 3,5–5,3 |
>6 horas (n=2.412) | 287 (11,9) | 10,7–13,3 | 29 (1,2) | 0,8–1,7 | 133 (5,5) | 4,6–6,4 |
A análise estatística dos resultados ajustados mostrou que:
- a chance de eventos adversos não mudou significativamente com cada hora adicional do tempo de jejum, tanto para sólidos (risco relativo [RR]: 1,00; IC: 0,98–1,02; P=0,91) quanto para líquidos (RR: 1,00; IC: 0,98–1,02; P=0,97).
- Similarmente, a chance de vômitos (sólidos— RR: 1,00; IC: 0,97–1,03; P=0,79; líquidos — RR: 1,00; IC: 0,96–1,03; P=0,81) e a chance de eventos adversos sérios (sólidos— RR: 1,01; IC: 0,95–1,07; P=0,64; líquidos — RR: 1,01; IC: 0,95–1,07; P=0,69) não aumentaram com o aumento do tempo de jejum.
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