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Curso Curto de Tratamento Antibiótico para Otite Média Aguda em Crianças Pequenas (N Engl J Med 2016;375:2446-56)

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A emergência de microrganismos resistentes é uma preocupação cada vez maior entre a comunidade médica em todo o mundo. A otite média aguda, por ser a condição clínica que mais frequentemente requer o uso de antibióticos em pediatria, desponta como condição chave nesse cenário, sendo frequentemente objeto de estudos. No artigo de hoje, publicado na revista The New England Journal of Medicine em dezembro de 2016, os autores compararam o tratamento por 5 dias vs tratamento por 10 dias com regime antibiótico e analisaram esse e outros desfechos.

Vejam a seguir o resumo do artigo:

EXPERIÊNCIA

Limitar a duração de tratamento antimicrobiano constitui uma estratégia potencial para reduzir o risco de resistência antimicrobiana entre crianças com otite média aguda.

MÉTODOS

Foram randomizadas 520 crianças entre 6 a 23 meses de idade com otite média aguda para receber amoxicilina-clavulanato, dividas em dois grupos: um pelo período de tempo padrão de tratamento (10 dias) e outro por um período de tempo reduzido, de 5 dias, seguido de placebo por mais 5 dias. Todos os médicos que participaram da avaliação dessas crianças fizeram um programa de validação de otoscopia.

Foram medidas as respostas clínicas (num padrão sistemático, com base na resposta de sinais e sintomas), recorrência de episódios e colonização nasofaríngea, e analisados os desfechos usando uma abordagem de não inferioridade. Os escores de sintomas variaram de 0 a 14 (utilizada a escala Acute Otitis Media–Severity of Symptoms [AOM-SOS], que consiste de sete itens: repuxar de orelhas, choro, irritabilidade, dificuldades para dormir, adinamia, inapetência e febre, para os quais atribui-se um valor de 0 para “não presente”, 1 para “um pouco” e 2 para “muito”; foi pedido para que os pais registrassem diariamente esses valores), com números mais elevados significando sintomas mais graves.

Como falha clínica, foram consideradas as crianças que apresentavam piora dos sintomas ou sinais otoscópicos de infecção (principalmente abaulamento da membrana timpânica) ou se esses sinais e sintomas não se resolviam por completo ou quase completamente até o final do tratamento. Sendo assim, a medida principal foi a porcentagem de crianças que apresentaram falha clínica após o período de tratamento determinado (5 ou 10 dias). Medidas secundárias incluíram o nível de sintomatologia anotado do 6º (por ser após o final do tratamento com antibiótico no grupo que passaria a receber o placebo) até o 14º dia a partir do diagnóstico, taxas de recorrência de otite média aguda, total de dias de antibiótico durante a temporada de infecções respiratórias , índices de colonização da nasofaringe, uso de outros serviços de saúde, taxa de abstenções ao trabalho ou necessidade de cuidados especiais de puericultura para a criança adoecida e satisfação dos pais baseada numa escala de 5 pontos.

RESULTADOS

As crianças tratadas com amoxicilina-clavulanato (opção dos autores para o tratamento da otite média aguda) por 5 dias tiveram maior propensão em apresentar falha clínica que aquelas tratadas por 10 dias (77 de 229 crianças [34%] vs 39 de 238 [16%]; diferença de 17 pontos percentuais [baseados em dados não arredondados]; intervalo de confiança de 95%: 9 a 25; número necessário para tratar para prevenir falha clínica: 6). No desenho inicial do trabalho, os autores, através de cálculos estatísticos, consideraram que, para que o tratamento por 5 dias não fosse considerado inferior ao tratamento convencional, a diferença nas porcentagens de falha clínica entre um e outro grupo não deveria ser maior do que 10%.

O escore médio de sintomas (OAM-SOS) do 6º ao 14º dias de tratamento foi de 1,61 no grupo tratado por 5 dias e de 1,34 no grupo tratado por 10 dias (P=0,07), portanto sem diferença estatística significativa; o OAM-SOS médio do 12º ao 14º dias foi de 1,89 vs 1,20 (P=0,001), mostrando uma melhora estatisticamente significativa dos sintomas no grupo tratado por 10 dias.

A porcentagem de crianças cujo escore de sintomas diminuiu mais de 50% (indicando menor gravidade dos sintomas) da linha de base ao final do tratamento foi menor no grupo tratado por 5 dias do que no tratado por 10 dias (181 de 227 crianças [80%] vs 211 de 233 [91%], P=0,003).

Não foram encontradas diferenças significativas entre os grupos quanto às taxas de recorrência, efeitos adversos ou colonização nasofaríngea com patógenos resistentes a penicilinas.

As taxas de falha clínica foram maiores entre crianças que foram expostas a 3 ou mais crianças por 10 ou mais horas por semana do que entre aquelas com menor exposição (P=0,02), e também foram maiores em crianças com infecção bilateral do que naquelas com otite unilateral (P<0,001).

Foi encontrada efusão em ouvido médio em 139 de 226 crianças (62%) no grupo de 10 dias (61 crianças com efusão unilateral e 78 com efusão bilateral) e em 141 de 216 (65%) do grupo de 5 dias (49 com efusão unilateral e 92 com efusão bilateral) (P=0,35). Em geral, a porcentagem de crianças com uma ou mais recorrências de otite média aguda foi maior entre crianças com efusão residual do que entre aquelas sem (48% vs 29%, P<0,001).

Ao longo dos 243 dias da estação de infecções respiratórias no local de estudo, o número médio de dias que as crianças receberam tratamento sistêmico com antibióticos foi de 21±13 no grupo de 10 dias e de 15±12 no grupo de 5 dias (P<0,001). O número médio de dias nos quais algum agente antibiótico foi administrado por outras razões (principalmente como resgate nas crianças que apresentaram falha clínica) foi de 6±9 no grupo de 10 dias e de 8±11 no grupo de 5 dias (P=0,05).

CONCLUSÕES

Nas crianças entre 6 e 23 meses com otite média aguda, o tratamento antimicrobiano com duração reduzida (5 dias) resultou em desfechos menos favoráveis do que o tratamento de duração padrão (10 dias). Além disso, nem a taxa de efeitos adversos nem o surgimento de resistência antimicrobiana foram menores no grupo de curta duração.

DISCUSSÃO DA EQUIPE PORTALPED

A opção da amoxicilina-clavulanato feita pelos autores do estudos não encontra respaldo em literatura como primeira escolha (vide o post anterior sobre o assunto: Amoxicilina: 1, 2 ou 3x ao dia?), de modo que a opção que em geral fazemos no Brasil é de tratamento apenas com amoxicilina como primeira escolha, sem a associação do inibidor das betalactamases.

É importante também ressaltar que os resultados observados nesse estudo contemplam apenas a faixa etária dos maiores de 6 meses e menores de 2 anos (6 aos 23 meses), de maneira que não há como se concluir, sem a elaboração de novos estudos, que tratamentos mais curtos em crianças maiores de 2 anos não seja igualmente eficaz ao padrão de 10 dias. A literatura é clara no que diz respeito a permitir conduta expectante nos casos de otite média aguda unilateral sem otorreia em crianças entre 6 meses e 2 anos e nos casos de doença uni ou bilateral naqueles maiores de 2 anos, desde que não apresentem sintomatologia grave (vide outro post anterior em nosso blog, Otite Média Aguda: Quando Tratar?).

O artigo na íntegra pode ser obtido por assinantes ou comprado através deste link.

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Antonio Junior

Médico pediatra especializado em medicina intensiva pediátrica, com graduação e especialização pela Unicamp.

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