Em Tempos de Zika e Febre Amarela, Não Se Esqueça da Chikungunya!
O que sabemos até o momento sobre o vírus Chikungunya? Como é diagnosticado e quais os tratamentos e premissas da Ciência para ele? Analisamos uma recente revisão sobre o assunto.
Chikungunya virus: an update on the biology and pathogenesis of this emerging pathogen
Burt, FJ et al. The Lancet Infectious Disease: April 2017 – Volume 17, No. 4 – e107-e117
Vivemos um momento epidemiológico nacional em que a febre amarela está em destaque. Nos últimos meses, também discutimos muito sobre Zika . Dentre as doenças transmitidas pelos mosquitos Aedes, não podemos nos esquecer também da Chikungunya. Esta revisão, publicada no The Lancet de Infectologia, nos traz um panorama sobre a epidemiologia, virologia, resposta imunológica e formas de tratamento e prevenção dessa doença incapacitante, desencadeada por esse vírus antigo, porém ainda pouco conhecido da comunidade médica. O PortalPed resume aqui os principais pontos dessa revisão.
INTRODUÇÃO
A febre do Chikungunya é uma doença articular incapacitante, causada pelo vírus chikungunya. Esse vírus foi identificado pela primeira vez na década de 50, em um surto ocorrido na Tanzânia. O nome Chikungunya é derivado do dialeto Swahili, de uma palavra que quer dizer “a bruxa que nos curva”, numa referência à postura adotada pelos indivíduos doentes, que se curvam pela limitação álgica articular. O vírus pertence ao gênero Alphavirus, da família Togaviridae.
A doença normalmente é autolimitada, porém em alguns pacientes a dor articular pode persistir por anos. Nos últimos 15 anos houve um aumento vertiginoso no número de surtos ao redor do mundo e, com esse aumento, são notados cada vez mais casos graves, com comprometimento de sistema nervoso central, hepatite fulminante e até óbitos.
O nome Chikungunya é derivado do dialeto Swahili, de uma palavra que quer dizer “a bruxa que nos curva”
O vírus normalmente circula em um ciclo silvestre, entre primatas, outros mamíferos e mosquitos Aedes. No ciclo urbano, ele é transmitido por esses mosquitos Aedes spp. Nas regiões tropicais, o Aedes aegypti é o principal vetor, porém o vírus é capaz de sofrer mutações e ser transmitido pelo Aedes albopictus, que está presente nas regiões de clima temperado também.
Nestes anos de frequentes epidemias de febre amarela, Zika e Chikungunya, é de fundamental importância conhecermos sua patogenia e modos de transmissão, tanto para promovermos um correto diagnóstico diferencial e tratamento, quanto para orientarmos e estudarmos medidas de prevenção para a redução do número de casos. Até o momento, não há nem tratamento específico, nem vacina eficaz disponíveis.
Na primeira sessão do artigo, há uma explicação detalhada sobre estrutura gênica e molecular, assim como a forma de replicação do vírus. Não nos estenderemos aqui nessa análise, sendo possível consultar essas informações no texto original.
EPIDEMIOLOGIA DO CHIKUNGUNYA
Desde a década de 50, quando foi descrito na Tanzânia, o vírus se espalhou por todo o mundo, inicialmente na África e depois pela Ásia, provavelmente levado por navios. Estima-se que o vírus chegou ao Ocidente em 2013, com rápida disseminação pelas Américas. Até agosto de 2016, foram confirmados casos autóctones em 48 países ou territórios nas Américas, com mais de 1 milhão de casos suspeitos.
Notadamente há diferentes linhagens do vírus Chikungunya circulando nas diferentes regiões do mundo. No Brasil, circula a linhagem East Central South African.
VETORES E INTERAÇÃO VÍRUS-VETOR
A resposta imunológica dos mosquitos vetores tem papel fundamental na replicação e transmissão do vírus Chikungunya. O vírus sofre contínuas mutações em seu material genético para adaptar-se a cada situação e a cada espécie de mosquito. Existem mecanismos de interferência na transcrição do RNA viral que estão presentes em cepas dos mosquitos Aedes, e a expressão desses mecanismos tem influência negativa na patogenicidade do vírus
APRESENTAÇÃO CLÍNICA DE CHIKUNGUNYA
Os pacientes com infecção pelo vírus Chikungunya normalmente apresentam febre alta (>39 °C), de início súbito, acompanhada de mialgia e artralgia intensa, além de rash maculopapular, que pode ser localizado ou envolver quase a totalidade do corpo. O período de incubação é de, em média, 3 dias. O rash e a febre normalmente melhoram em alguns dias e são seguidos por descamação palmo-plantar.
Outros sinais e sintomas que podem ocorrer são:
- conjuntivite,
- uveíte,
- episclerite
- retinite.
Vale lembrar que cerca de 15% dos indivíduos infectados são assintomáticos.
A maioria dos pacientes refere artralgia intensa, com edema articular e rigidez matinal, sintomas compatíveis com artrite inflamatória. Normalmente, essa artralgia/artrite é simétrica, acometendo qualquer articulação, porém com preferência pelas extremidades. Sinovite e edema periarticular ocorrem em um número considerável de pacientes (32–95%). Em muitos indivíduos afetados, a dor aumenta ao final da primeira semana de doença, sendo que os sintomas podem persistir por até 3 anos após o quadro agudo.
O risco de acometimento do SNC é maior em idosos com doenças crônicas, neonatos e imunossuprimidos
A incidência de óbitos é estimada em menos de 1 caso a cada 1.000 doentes. Os casos graves normalmente são decorrentes de infecção de sistema nervoso central (SNC), com encefalite e encefalopatia; miocardite e hepatite fulminante. A infecção do SNC pode causar convulsões, paralisia flácida e coma.
O risco de acometimento do SNC é maior na faixa etária neonatal, nos idosos portadores de doenças crônicas e nos imunossuprimidos. A infecção neonatal pode ocorrer de forma vertical. Estudos em animais demonstram que essa transmissão ocorre provavelmente no momento do parto, em pacientes (mães) com viremia ativa. O comprometimento do SNC dos neonatos normalmente é severo e deixa sequelas no desenvolvimento, com microcefalia e paralisia cerebral. Os neonatos ainda podem apresentar hemorragia de SNC, enterocolite necrotizante, pericardite e dilatação coronariana.
PATOGÊNESE DE CHIKUNGUNYA
Na fase aguda, a viremia é intensa e pode ser detectada por técnicas de PCR. Com o aumento da resposta imunológica e a produção de imunomediadores, surgem os sintomas articulares, decorrentes da infiltração dessas células do sistema imune nas articulações e demais tecidos. Tanto na fase aguda quanto em pacientes com artrite crônica, os níveis plasmáticos de interleucinas inflamatórias são altos. O número de linfócitos T ativados também é alto nesses pacientes e tem papel importante na manutenção dos sintomas de artrite.
Os anticorpos do subtipo IgM são detectáveis em alguns dias após o início da infecção e os da subclasse IgG surgem na segunda semana da doença, persistindo por anos, conferindo imunidade duradoura.
O vírus Chikungunya infecta células dendríticas, macrófagos, fibroblastos, células endoteliais, miócitos e osteoblastos (especialmente nos casos com erosões ósseas).
O mecanismo pelo qual alguns pacientes “cronificam” ainda não está claro. Existem três teorias principais: persistência viral, persistência de partículas virais e ativação imunológica persistente mesmo após eliminação viral. Vale ressaltar que, até o momento, não se conseguiu identificar vírus em cultura de células de paciente coletadas após 1 semana de doença, o que reforça que, provavelmente, essa persistência dos sintomas tem relação com a atividade imunológica individual.
TRATAMENTO & PREVENÇÃO DE CHIKUNGUNYA
Não há, até o momento, nenhuma vacina ou droga antiviral disponível para tratamento do Chikungunya. A principal linha de tratamento é o controle dos sintomas com uso de medicações anti-inflamatórias.
A cloroquina tem efeitos positivos in vitro, porém nenhuma efetividade clínica. Antivirais de amplo espectro, como a ribavirina e o interferon, assim como o ácido micofenólico, estão em estudo, porém ainda sem liberação para uso clínico. O favipiravir, uma medicação inibidora de polimerase, também tem mostrado resultados in vitro bastante promissores.
Existem, desde a década de 60, diversas linhas de pesquisa de desenvolvimento de vacinas. Algumas produzidas a partir de partículas virais estão em fases de testes em humanos, porém ainda sem liberação para uso.
A imunização passiva (anticorpos polivalentes) pode ser uma intervenção a ser considerada em pacientes com risco de desenvolver doença grave.
CONCLUSÃO
Ainda existe muito para entendermos sobre o mecanismo de patogênese do vírus Chikungunya e a resposta imunológica do organismo humano à sua infecção. Tal entendimento é a base do desenvolvimento de novos tratamentos e medidas de prevenção. O futuro parece promissor, tanto no desenvolvimento de medicações, como no aprimoramento das vacinas. Entretanto, como não há tratamento autorizado para uso clínico, é importante trabalharmos no controle dos vetores para minimizar a transmissibilidade e nas medidas individuais de proteção às picadas, como o uso de repelentes.
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