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Infecção do Sistema Nervoso Central por Enterovírus: uma Atualização

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Quais são as principais manifestações dos Enterovírus no sistema nervoso central? O que há de mais moderno em diagnósticos e tratamentos? Analisamos uma recente revisão sobre o assunto.

Enterovirus Infections of the Central Nervous System in Children: An Update

Rudolph, Henriette MD; Schroten, Horst MD; Tenenbaum, Tobias MD. Pediatric Infectious Disease Journal: May 2016 – Volume 25- Issue 5 -p567-569

Foram revisadas as manifestações típicas no sistema nervoso central, como realizar o diagnóstico e possíveis estratégias de tratamento e prevenção.

 

Os Enterovírus pertencem à família Picornaviridae, gênero Enterovirus (EV) e existem os seguintes subgrupos humanos:

  • Poliovírus (sorotipos 1-3);
  • Não Poliovírus:
    • Coxsackie A (sorotipos 1-22, 24),
    • Coxsackie B (sorotipos 1-6),
    • Echovirus (sorotipos 1-9, 11-27,29-33) e
    • Enterovírus numerados.

Essa divisão foi baseada nos seus padrões de replicação em cultura de tecidos e animais. O nome do gênero reflete a importância da via gastrointestinal tanto na propagação quanto no local primário de invasão e replicação. Atualmente, foram reclassificados com base na sequência de nucleotídeos e aminoácidos em 5 espécies (Poliovírus e Enterovírus Humano A-D). Há mais de 100 sorotipos de Enterovírus Não Polio (EVNP) identificados que são subdivididos nas 4 espécies (A a D).

https://nutritionreview.org/2015/04/does-enterovirus-d68-cause-paralysis/

Embora mais de 100 sorotipos de enterovírus tenham sido descritos, somente em torno de 15 são responsáveis pela maioria das doenças. Nenhuma doença está associada exclusivamente a um determinado sorotipo, mas algumas manifestações são mais relacionadas a um sorotipo específico.

A meningite viral é 3 vezes mais frequente do que a meningite bacteriana, sendo os EVNP os principais agentes etiológicos. A incidência estimada de meningite viral em países desenvolvidos é de 12-19 casos por 100.000 habitantes por ano. Na maioria dos casos, a infecção por EVNP é leve, mas em raros casos pode ocasionar doença grave do sistema nervoso central (SNC), podendo levar inclusive ao óbito.

Embora as infecções por enterovírus ocorram de forma permanente em áreas tropicais e subtropicais, a sua frequência máxima ocorre no verão e outono nos locais de clima temperado.

 

SURTOS RECENTES DE ENTEROVÍRUS

Crescentes relatos de surtos causados ​​pelos EVNP aconteceram nas últimas décadas. Antes de ocorrer um surto, parece que a cepa causadora, geralmente uma nova linhagem genômica,  já circula “silenciosamente” durante alguns anos dentro da área geográfica. A baixa imunidade de rebanho devido à falta de anticorpos neutralizantes pode facilitar a emergência de surtos. Apesar dessa circulação silenciosa, apenas uma pequena proporção dos EVNP detectados, por exemplo, na água de esgoto, provoca infecções sintomáticas.

infecções virais na asia

Os EVNP circulam endemicamente em locais de climas temperados, sendo alguns responsáveis ​​por grandes surtos, tais como: os Echovírus E9, E13, E18 e E30 e CVB5. Na última década, o E30 foi o responsável pela maioria dos surtos associados a infecções do SNC na Europa. A análise de sequência genômica, ferramenta importante utilizada para analisar surtos de infecções por enterovírus, revelou que o E30, que tem circulado na Europa desde 2012, pertence a uma sublinhagem exclusiva dentro da circulação do EV genótipo VII.  Deste modo, novas linhagens gênicas substituem as anteriores.

Infecções por EV71

Embora conhecida por sua neurovirulência e efeitos devastadores há mais de 40 anos, o EV71 (EVNP) é considerado um vírus emergente associado a epidemias em grande escala, especialmente na região Ásia-Pacífico. A apresentação clínica típica da infecção com EV71 é a síndrome mão-pé-boca, que tem um curso benigno. No entanto, as infecções neurológicas podem ocorrer na ausência de manifestações cutâneas e podem causar sequelas neurológicas ou morte, como observado em recentes surtos na região Ásia-Pacífico.

Na China, o maior surto registrado envolveu 1,1 milhões de casos e 353 mortes.

A maioria das infecções graves por EV71 ocorre em crianças pequenas, e se apresenta com febre, vômitos e hiperglicemia. Na China, o maior surto registrado (em 2009) envolveu 1,1 milhão de casos e 353 mortes. Surtos semelhantes, em 2010 e 2011, acometeram mais de 1,5 milhão de pessoas, com 27 mil complicações neurológicas e um total de 905 mortes, principalmente em crianças pequenas. Desde os anos 70, a Organização Mundial de Saúde relatou cerca de 6 milhões de infecções pelo sorotipo EV71, dentre as quais mais de 2.000 mortes ocorreram.

Há grandes diferenças na taxa de mortalidade entre os diferentes focos de infecção, o que pode ser relacionado com as diferenças no efeito patogênico no sistema nervoso central dos diferentes genogrupos de EV71.

 

TRANSMISSÃO DOS ENTEROVÍRUS

A transmissão dos enterovírus ocorre principalmente através da via fecal-oral e, em menor importância, por gotículas respiratórias.

 

MANIFESTAÇÕES NEUROLÓGICAS DE INFECÇÕES POR ENTEROVÍRUS NÃO POLIO

 

Meningite

A meningite é uma doença de início agudo de sinais meníngeos, febre, pleocitose do líquido cefalorraquidiano com culturas negativas e ausência de comprometimento do parênquima cerebral. Em 48–95% dos casos em que os vírus são identificados, esse vírus é do grupo dos Enterovírus.

São considerados como fatores predisponentes para meningite por Enterovírus:

  • Idade jovem
  • Imunodeficiência
  • Em menor grau, sexo masculino e exercício físico.

criança com dor no pescoçoA febre geralmente é bifásica e os sintomas neurológicos aparecem durante o segundo ciclo febril. Outros achados inespecíficos em pacientes com meningite por Enterovírus são: náusea, cefaleia, exantemas e sintomas do trato respiratório.

No período neonatal, a irritabilidade, letargia e o abaulamento de fontanela podem ser as únicas manifestações da doença. Já nas crianças mais velhas, achados característicos de meningite como rigidez de nuca e fotofobia podem estar presentes.

O líquido cefalorraquidiano com pleocitose — em alguns casos com uma predominância de leucócitos polimorfonucleares — é típico para as fases iniciais da doença.

Os EVNP associados a meningite asséptica são: CVB2, CVB3, CVB4, CVB5, CVA5, CVA7, CVA9, CVA16, E4, E6, E9, E11, E14, E16, E25, E30, E31 e EV71.

O prognóstico da meningite por enterovírus a curto prazo é bom; no entanto, dados de análises sistemáticas de curto prazo e evolução clínica de longo prazo são escassos.

 

Encefalite

A encefalite é menos freqüente do que os quadros de meningite. Os sintomas variam de quadros sutis, com cefaleia e sonolência, a quadros mais graves, com alteração do sensório, fraqueza muscular flácida, sintomas neurológicos focais, alteração do estado mental e coma. Exantema e diarreia são características clínicas que podem ajudam a distinguir encefalite por enterovírus de outras formas de encefalite.

Diferente dos casos de meningite por enterovírus, a encefalite causada por EV mais frequentemente pode levar ao óbito, especialmente se houver atraso no diagnóstico e no tratamento sintomático. As crianças jovens (<4 anos) com elevada pleocitose (>13.000 células/mm3), convulsões e mioclonias, entre outros sintomas, têm risco aumentado de sequelas neurológicas e de óbito.

Os quadro de encefalite foram descritos em infecções por: EV71, EV75, EV76, EV89, CVA2, CVA9, CVA10, CVB1, CVB5 e Echovirus E4, E5, E6, E9, E11, E19, E17, E21 e E30.

 

Meningoencefalite Crônica por Enterovírus e Encefalite do Tronco Encefálico

As meningoencefalites crônicas por Enterovírus, geralmente em pacientes com imunodeficiência humoral, e a encefalite do tronco encefálico, são variantes pouco frequentes da encefalite causada por EV. A falta de depuração viral na meningoencefalite crônica pode durar muitos anos e culminar com desfecho fatal.

A encefalite de tronco cerebral é a principal causa de morte relacionada com infecções por enterovírus na Ásia

A encefalite de tronco cerebral é a principal causa de morte relacionada com infecções por enterovírus na Ásia e é a principal manifestação neurológica da infecção EV71. Após início de um quadro febril leve, os pacientes (principalmente as crianças) podem desenvolver sintomas cardiopulmonares que levam à parada cardiorrespiratória.  

As características clínicas típicas de encefalite de tronco são:

  • Ataxia
  • Tremor
  • Mioclonias
  • Problemas oculomotores (nistagmo, estrabismo ou paresia do olhar)
  • Paralisia bulbar (disfagia, disartria, disfonia e fraqueza facial)

 

Paralisia Flácida Aguda

A paralisia flácida aguda (PFA) emergiu recentemente em associação com surtos EV68 nos EUA e no Canadá. O EV71 também está associada à PFA.

O curso clínico é caracterizado por um início agudo de diminuição da força muscular, hipotonia e reflexos tendinosos diminuídos ou ausentes em um ou mais membros.

 

DIAGNÓSTICO LABORATORIAL ESPECÍFICO

Atualmente, a reação da transcriptase reversa, seguida de reação em cadeia da polimerase RT-PCR, é uma técnica sensível e rápida para detectar infecções por Enterovírus e é mais sensível do que o teste de cultura em célula. A genotipagem com a análise filogenética de enterovírus é amplamente utilizada durante os surtos. Os testes serológicos tem valor limitado no diagnóstico de infecções agudas.

 

TRATAMENTO DAS ENTEROVIROSES

Atualmente, não existem estudos clínicos de alta qualidade para provar a eficácia da imunoglobulina intravenosa. Apesar disto, para os casos de manifestações graves no SNC, o tratamento com imunoglobulina intravenosa (IVIG) é a única terapia com uso clínico difundido. As quantidades variadas de anticorpos neutralizantes específicos para o vírus podem levar a ineficácia completa da IVIG em alguns casos, o que deixa o uso de IVIG na infecção por enterovírus controverso até a data presente. A imunoterapia passiva com anticorpos monoclonais (semelhante aos anticorpos monoclonais usados ​​para prevenir a infecção pelo vírus respiratório sincicial) poderia ser uma opção no futuro.

Os tratamentos são limitados, e não existem medicamentos antivirais efetivos e atualmente liberados contra os EVNP

No momento, não existem opções de tratamento específicos disponíveis para as infecções por Enterovírus. Existem somente 2 agentes que inibem a ligação viral ou a entrada nas células e que foram testados in vivo: o pleconaril e a lactoferrina, mas ainda sem liberação para utilização. Outros novos fármacos estão em investigação, mas nenhum identificado até o momento que seja eficiente na remoção viral e tenha efeitos colaterais leves.

 

PREVENÇÃO

A prevenção da infecção é baseada na vacinação e em medidas de higiene.

higiene na saúde

Vacinas de células inteiras inativadas com formalina contra EV71 foram desenvolvidas e testadas em ensaios de fase III na região Ásia-Pacífico. Após 2 vacinações consecutivas, os níveis de anticorpos neutralizantes foram suficientes para transmitir a proteção por até 60 meses. A eficácia foi superior a 90% contra a doença mão-pé-boca causada pelo EV71 e superior a 80% contra as manifestações severas pelo EV71. Além disto, não foram identificadas preocupações com sua segurança.

A desvantagem desta vacina é que a cocirculação de outros Enterovírus, bem como mudanças do genótipo do EV71, podem levar à ineficácia da vacina, sem que nenhuma proteção cruzada seja gerada. Em alguns países como a China, a vacinação é recomendada num esquema de 2 doses para crianças entre 6–7 meses de idade, com uma terceira dose aos 18–24 meses. Vacinas potencialmente mais eficazes estão em estudo.

CONCLUSÃO

  • As crianças pequenas têm risco elevado para infecções graves.
  • As manifestações típicas no SNC, em ordem decrescente de frequência, são: meningite, encefalite, PFA e raramente encefalomielite.
  • As infecções do SNC pelos Enterovírus não Polio são relatadas cada vez mais, tanto por causa das taxas de detecção mais altas, quanto por um número potencialmente crescente de surtos.
  • Na região Ásia-Pacífico, o EV71 tem substituído o poliovírus como o vírus neurotrópico predominante.
  • Exames oferecem detecção rápida e sensível para infecções EVNP e facilitam o rastreamento de surtos.
  • O tratamento é limitado, não existem medicamentos antivirais efetivos e atualmente liberados contra os EVNP.
  • Como forma de prevenção, devemos otimizar as medidas de higiene.
  • É importante manter vigilância para detectar precocemente focos com novas cepas emergentes.
  • Devem-se desenvolver pesquisas sobre a patogênese das infecções no SNC pelos Enterovírus, bem como criar estratégias de vacinação mais eficazes e novos medicamentos antivirais com atividade contra o EVNP.
Acesse o artigo na íntegra

 

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Dr. Breno Montenegro Nery

Médico pediatra especializado em medicina intensiva pediátrica, com graduação pela Universidade Federal de Pernambuco e especialização pela Unicamp.

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