Infecção por Clostridium: um Mal Crescente na Comunidade Pediátrica
As infecções por Clostridium têm aumentado de maneira drástica nos últimos anos, mesmo em crianças que não estiveram internadas. Discutimos os fatores de risco e o que podemos fazer para evitá-los.
Nesta semana, selecionamos um artigo do Journal of Pediatrics deste mês que discute fatores de risco para infecção por Clostridium difficile (ICD) em crianças não hospitalizadas. Apesar de não ser um objetivo do trabalho, os pesquisadores também identificaram que, ao longo dos 13 anos de estudo, houve um aumento exponencial no número de casos em crianças que não estiveram internadas. Sendo assim, o fato deve servir como um alerta para a comunidade médica, para que possamos continuamente melhorar nossa assistência, evitando os fatores de risco sempre que possível, além de pensarmos nesse diagnóstico, mesmo em crianças não hospitalizadas.
O QUE É O CLOSTRIDIUM DIFFICILE?
O Clostridium é um bacilo anaeróbio, gram-positivo, produtor de toxinas (A e B) e formador de esporos, comensal do nosso trato gastro intestinal (TGI) e que pode levar a uma série de manifestações clínicas – desde a mais comum (a diarreia aguda) até colite pseudomembranosa e doenças graves, como megacólon tóxico e perfuração intestinal. Na maioria dos casos, o Clostridium coloniza o TGI e é assintomático, porém diversas situações clínicas podem alterar o equilíbrio da flora gastrointestinal e desencadear o aparecimento dos sintomas.
Tradicionalmente, a ICD é identificada nos pacientes hospitalizados. Entretanto, nos últimos anos, tem-se notado que a incidência da ICD em crianças e adultos não hospitalizados está aumentando, respondendo por cerca de 1/3 do total de casos.
Além disso, são cada vez mais frequentes os relatos de aparecimento da ICD em pacientes que não fizeram o uso de nenhum antimicrobiano previamente ao aparecimento dos sintomas.
Dessa forma, o objetivo deste estudo foi identificar os fatores de risco para o aparecimento da ICD em crianças não hospitalizadas e seus respectivos riscos relativos.
DESENHO DO ESTUDO
Este é um estudo do tipo caso-controle, retrospectivo, em que os autores utilizaram os registros do Military Health System (MHS) Americano, num período de outubro de 2001 a setembro de 2013, para buscar informações sobre crianças com ICD.
Foram selecionadas todas as crianças de 1 a 18 anos que tiveram apontado como diagnóstico o CID (Classificação Internacional de Doenças – 9ª ed) de ICD e excluídas todas as que estiveram internadas, por quaisquer razões, previamente ao diagnóstico. Os pesquisadores buscaram, então, para cada uma dessas crianças identificadas, 3 outras crianças, pareadas por idade e sexo, sem diagnóstico de ICD. Dessa forma, a partir da análise dos registros médicos e farmacológicos das crianças e de seus familiares (identificados por um número único no MHS), atentaram-se para os fatores de risco para aparecimento da ICD.
Foram selecionadas 1.331 crianças com ICD e, consequentemente, 3.993 controles para análise. A idade média foi de 7 anos, sendo 50,3% delas do sexo masculino.
RESULTADOS DO ESTUDO
Do total de crianças com ICD adquiridas na comunidade, 59,7% fizeram uso de ao menos 1 antimicrobiano nas 12 semanas anteriores ao diagnóstico. Dessas 795 crianças, 252 (31%) receberam 2 classes diferentes de antibióticos e 68 (8,6%) receberam 3 classes distintas.
As classes de antibióticos que mais tiveram correlação com o aparecimento da ICD foram: fluorquinolonas, clindamicina e cefalosporinas de terceira geração, todas com significância estatística. Além disso, nas crianças expostas a múltiplas classes de antibióticos, esse risco foi proporcionalmente maior.
Nos outros 40% das crianças com ICD que não receberam nenhum antibiótico, foram identificados como fatores de risco:
- uso de inibidor de bomba de prótons (odds ratio — OR: 8,17; IC 2,35–28,38);
- visitas ambulatoriais a clínicas/serviços de saúde, com aumento de 35% do OR a cada visita;
- uso de antagonistas H2 e
- contato com familiares com ICD.
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Apesar de não ser objetivo do estudo, ficou claro o aumento da incidência de ICD ao longo dos anos. Também ficou claro o aumento progressivo da participação dos casos não relacionados à hospitalização, ou seja, decorrentes do uso domiciliar de medicações ou da exposição comunitária a fatores que causaram o aparecimento da ICD.
O uso de antibióticos é, ainda, o principal fator de risco, especialmente as fluorquinolonas, cefalosporinas de terceira geração e clindamicina. Macrolídeos, sulfas e penicilinas também tiveram relação com o aparecimento dos sintomas, porém em menor proporção.
Entretanto, nos quase 40% de pacientes que não haviam utilizado quaisquer antibióticos, foi encontrada uma clara relação entre o uso de medicações para supressão da acidez gástrica, especialmente os inibidores de bomba de prótons, e o aparecimento da ICD.
O uso de antibióticos é, ainda, o principal fator de risco para a infeção por Clostridium difficile
A transmissibilidade do Clostridium é eminentemente fecal-oral. Além disso, os esporos produzidos são resistentes e garantem a sobrevivência do microorganismo no ambiente por longos períodos. Sendo assim, a transmissibilidade no ambiente domiciliar e em serviços de saúde não pode ser menosprezada. As atitudes para controle dessa transmissão, especialmente a lavagem correta das mãos, com atenção redobrada durante o manejo dos pacientes com ICD, devem ser estimuladas.
NOSSOS COMENTÁRIOS
Os dados apresentados acima são condizentes com pesquisas já realizadas em adultos. Todavia, este é um estudo limitado pelo desenho do seu método. Deve servir, portanto, como um alerta e como um estímulo para futuras análises.
Da nossa parte, cabe ressaltar:
- Devemos lembrar do diagnóstico de infecção por Clostridium mesmo em crianças que não estiveram internadas e que não receberam antibióticos, mas tendo especial atenção àquelas que receberam;
- É necessário evitar o uso indiscriminado de antimicrobianos, pois a ICD é uma realidade e pode trazer inúmeros transtornos aos nossos pacientes;
- É necessário evitar o uso indiferenciado de supressores da acidez gástrica, em especial os inibidores de bomba de prótons, pois estão relacionados a um aumento significativo do OR para ICD.
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