Série Finanças para Consultórios: a Análise de Viabilidade
A análise de viabilidade evita investimentos em projetos ruins e que trarão prejuízo. Aprenda como ela pode ser sua aliada na hora de abrir ou expandir um consultório.
dos primeiros passos ao primeiro milhão
Francinaldo Lobato Gomes *
CRIAR OU NÃO O CONSULTÓRIO?
A RESPOSTA ESTÁ NOS INDICADORES DE VIABILIDADE
Antes de montar um consultório, deve-se determinar se ele será financeiramente viável. Os dados levantados no plano de negócios serão usados para avaliar esta viabilidade e a lucratividade presumida. Afinal, pensando “na ponta do lápis”, vale a pena abrir meu consultório? Por incrível que pareça, ainda não conheci nenhum médico que tenha se feito esta pergunta antes de iniciar suas atividades.
É preciso determinar o valor do investimento inicial, incluindo todos os gastos com aquisição e adequação do espaço físico, gastos com equipamentos, mobília, burocracia, contratação de funcionários etc… Em seguida deve-se fazer uma estimativa dos fluxos de caixa anuais (dinheiro que ficará para o consultório após serem pagas todas as despesas com o funcionamento e manutenção) e, finalmente, deve-se determinar a taxa de desconto dos fluxos de caixa anuais com base no custo médio ponderado do capital exigido pelos sócios e/ou terceiros.
A análise de viabilidade evitará que vocês invistam em projetos ruins e que darão prejuízo a vocês.
ANTES DE DAR INÍCIO ÀS ATIVIDADES
O custo médio ponderado do capital (média ponderada do custo do capital necessário para criar e manter o consultório) é a taxa média de juros usada para descontar os fluxos de caixa. O ideal é que se inicie um negócio utilizando uma estrutura de capital com custo mais baixo possível, preferencialmente com recursos próprios ou com uma combinação que inclua baixa proporção de capital de terceiros.
No entanto, em alguns casos, é possível recorrer a financiamento bancário, embora não seja muito positivo começar um consultório sabendo que todos os meses tem que pagar ao banco. O consultório pode ter algumas dificuldades em conseguir clientes, principalmente nos primeiros meses. Com isso, a situação financeira pode ficar complicada por conta da necessidade de pagar juros ao banco, além das despesas já existentes. Para evitar este tipo de problema, é preciso ter uma reserva de capital destinada aos custos iniciais. Esta reserva de capital é chamada de capital de giro.
Uma outra alternativa para fugir do empréstimo bancário é lançar mão do capital de risco quando houver disponibilidade. O capital de risco tem como meta principal a participação temporária ou minoritária de terceiros no capital do consultório, de modo a apoiar o investimento inicial. Pode-se, ainda, buscar ajuda a empresários e/ou sócios que queiram investir algum dinheiro no consultório por acreditarem no projeto. O investimento costuma ser por tempo limitado, sendo retirado do negócio após sua valorização. Para convencer empresários e/ou sócios a investir, é preciso ter uma estimativa do retorno sobre o patrimônio líquido que se espera obter. Isso porque estes credores irão comparar o retorno de investir no consultório com os demais investimentos disponíveis no mercado.
Por último, pode-se recorrer à ajuda do Estado, o qual costuma ter programas de financiamento para ajudar financeiramente as pequenas empresas. O único ponto negativo é que o projeto irá, sempre, concorrer com um grande número de candidatos, dificultando a sua aceitação.
Uma vez de posse destas três variáveis – investimento inicial, fluxos de caixa e custo do capital, calcula-se três indicadores de viabilidade que permitirão decidir se vale a pena ou não investir no consultório. Estes indicadores são:
- o valor presente líquido (VPL)
- a taxa interna de retorno (TIR) e
- o payback do projeto (tempo necessário para se recuperar o investimento inicial, usualmente em anos).
O cálculo pode ser feito usando-se um programa de computador, tal como o excel ou a calculadora financeira HP 12C.
ENTENDENDO O VPL
O VPL é o somatório de todos os fluxos de caixa descontados, isto é, trazidos a valor presente, após terem sido corrigidos para a taxa de desconto, e comparado ao custo necessário para implementar o projeto. O VPL indica qual o lucro, em valores monetários, que o projeto novo trará. Quanto maior o VPL, mais lucrativo será o projeto. Portanto, de acordo com este critério, deve-se montar o consultório (ou investir em algum outro projeto) apenas se o VPL for igual ou maior do que zero. Projetos com VPL negativo devem ser rejeitados.
ENTENDENDO O TIR
TIR é a taxa de juros para a qual o VPL é nulo. Quanto maior a TIR, melhor e mais lucrativo será o novo negócio. Pense na TIR como a taxa de juros que uma aplicação financeira precisaria render para ser tão lucrativa quanto o novo negócio. Portanto, de acordo com este critério, deve-se montar um consultório (ou investir em algum outro projeto) apenas se a TIR for igual ou maior que o custo do capital. Projetos com TIR menores que o custo do capital devem ser rejeitados.
Não vamos nos ater ao cálculo aqui. Veremos dois exemplos com os respectivos resultados e como interpretá-los.
EXEMPLO 01
Você deseja investir na criação de um consultório pediátrico em um bairro nobre da cidade para atender, de forma diferenciada, a população das classes A e B.
Após a realização do plano de negócios, você determinou que o investimento inicial é de R$ 300.000,00; os fluxos de caixa estimados para este consultório são de R$ 120.000,00 no primeiro ano, 80.000,00 no segundo ano, 110.000,00 no terceiro ano e 100.000,00 do quarto ano em diante. A taxa de desconto (custo médio ponderado do capital) é de 12% ao ano. De posse destes dados você deve decidir se vale a pena ou não investir neste consultório. Para isso, é preciso saber qual o VPL e a TIR deste investimento.
Temos os seguintes dados:
- Investimento inicial – R$ 300.000,00
- Fluxo de caixa 1 – R$ 120.000,00
- Fluxo de caixa 2 – R$ 90.000,00
- Fluxo de caixa 3 – R$ 110.000,00
- Fluxo de caixa 4 – R$ 100.000,00
- Taxa de desconto de 12% ao ano
Assim, para calcularmos o VPL na calculadora HP 12C faremos o seguinte:
- Digita-se 000 e aperta-se as teclas CHS (muda o sinal para negativo, uma vez que trata-se de gasto ou saída de caixa), g (indica que a função a ser usada é a que está em azul). Por último, aperta-se a tecla PV, na qual aparece CFo em azul (fluxo de caixa no tempo zero), isto é o gasto para iniciar o projeto;
- Digita-se 000 e aperta-se as teclas g e PMT (fluxo de caixa no tempo 1; neste caso, como se trata de entrada de caixa, não se muda o sinal);
- Digita-se 000 e aperta-se as teclas g e PMT (fluxo de caixa no tempo 2; neste caso, como se trata de entrada de caixa, não se muda o sinal);
- Digita-se 000 e aperta-se as teclas g e PMT (fluxo de caixa no tempo 3; neste caso, como se trata de entrada de caixa, não se muda o sinal);
- Digita-se 000 e aperta-se as teclas g e PMT (fluxo de caixa no tempo 4; neste caso, como se trata de entrada de caixa, não se muda o sinal);
- Digita-se 12 e aperta-se a tecla i (taxa de desconto);
- Por fim, aperta-se a tecla f (indica a função designada em laranja) e depois a tecla PV, na qual aparece NPV em laranja (Net Present Value ou Valor Presente Líquido);
- A calculadora fornecerá o VPL que, neste caso é de R$ 20.737,94. Como o VPL é positivo, deve-se investir no consultório.
Para calcularmos a TIR na calculadora HP 12C, usaremos os mesmos dados já digitados acima. Para isso não é necessário digitá-los novamente, bastando apertar novamente a tecla f (indica a função designada em laranja) e depois a tecla FV, na qual aparece IRR em laranja (Internal Rate of Return ou Taxa Interna de Retorno). A calculadora fornecerá a TIR que, neste caso é de 15,32%. Como a TIR é maior que o custo do capital (12%), deve-se investir no consultório.
ENTENDA O PAYBACK
Tanto o VPL quanto a TIR do consultório acima indicam que o projeto será lucrativo e, portanto, deve-se investir nele. Agora, resta saber qual o payback deste projeto, isto é, em quanto tempo você irá recuperar o investimento inicial. Neste caso, como existe a taxa de desconto de 12% ao ano, deve-se calcular o payback descontado.
Para calcular o payback, deve-se trazer todos os fluxos de caixa a valor presente, ou seja, corrigidos pelo custo do capital, e depois somá-los até atingir o valor do investimento inicial. Em seguida, determina-se em que tempo isto ocorreu e este tempo será o payback do projeto.
Temos os seguintes dados:
- Investimento inicial – R$ 300.000,00
- Taxa de desconto de 12% ao ano
- Fluxo de caixa 1 – R$ 120.000,00, corrigido pela taxa de 12% resulta em R$ 107.142,80;
- Fluxo de caixa 2 – R$ 90.000,00, corrigido pela taxa de 12% resulta em R$ 71.747,40;
- Fluxo de caixa 3 – R$ 110.000,00, corrigido pela taxa de 12% resulta em R$ 78.295,80;
- Fluxo de caixa 4 – R$ 100.000,00, corrigido pela taxa de 12% resulta em R$ 63.551,80;
De posse dos fluxos de caixa corrigidos, procedemos à soma de cada um deles até atingir o valor do investimento inicial.
- No primeiro ano, o valor recuperado será de R$ 107.142,80;
- No segundo ano, o valor recuperado de será de R$ 178.890,20 (107.142,80 + 71.747,40);
- No terceiro ano, o valor recuperado será de R$ 257.186,00 (178.890,20 + 78.295,80);
- No quarto ano, o valor recuperado será de R$ 320.737,80 (257.186,00 + 63.551,80).
Como o investimento inicial foi de R$ 300.000,00 e, ao final do quarto ano, o valor recuperado é de R$ 320.737,80, podemos concluir que o payback (recuperação do valor investido) deste projeto ocorrerá entre o terceiro e o quarto anos após sua implementação. Para ser mais exato, o payback será de, aproximadamente, três anos e oito meses. Em geral, aceita-se que um consultório financeiramente viável deva ter um payback inferior a 5 anos.
OUTRO EXEMPLO PARA AJUDAR A FIXAR OS CONCEITOS
EXEMPLO 02
Você deseja investir na criação de um consultório de pediatria em uma região de baixa renda da cidade para atender, a custo baixo, a população das classes C e D.
O investimento inicial é de R$ 220.000,00; os fluxos de caixa estimados para este consultório são de R$ 90.000,00 no primeiro ano, 70.000,00 no segundo ano, 68.000,00 no terceiro ano e 50.000,00 do quarto ano em diante. A taxa de desconto (custo médio ponderado do capital) é de 13% ao ano. De posse destes dados, você deve decidir se vale a pena ou não investir neste consultório. Para isso, é preciso saber qual o VPL e a TIR deste investimento.
Temos os seguintes dados:
- Investimento inicial – R$ 220.000,00
- Fluxo de caixa 1 – R$ 90.000,00
- Fluxo de caixa 2 – R$ 70.000,00
- Fluxo de caixa 3 – R$ 68.000,00
- Fluxo de caixa 4 – R$ 50.000,00
- Taxa de desconto de 13% ao ano
Assim, para calcularmos o VPL na calculadora HP 12C faremos o seguinte:
- Digita-se 000 e aperta-se as teclas CHS (muda o sinal para negativo uma vez que se trata de gasto ou saída de caixa), g (indica que a função a ser usada é a que está em azul). Por último, aperta-se a tecla PV, na qual aparece CFo em azul (fluxo de caixa no tempo zero), isto é o gasto para iniciar o projeto;
- Digita-se 000 e aperta-se as teclas g e PMT (fluxo de caixa no tempo 1; neste caso, como se trata de entrada de caixa, não se muda o sinal);
- Digita-se 000 e aperta-se as teclas g e PMT (fluxo de caixa no tempo 2; neste caso, como se trata de entrada de caixa, não se muda o sinal);
- Digita-se 000 e aperta-se as teclas g e PMT (fluxo de caixa no tempo 3; neste caso, como se trata de entrada de caixa, não se muda o sinal);
- Digita-se 000 e aperta-se as teclas g e PMT (fluxo de caixa no tempo 4; neste caso, como se trata de entrada de caixa, não se muda o sinal);
- Digita-se 13 e aperta-se a tecla i (taxa de desconto);
- Por fim, aperta-se a tecla f (indica a função designada em laranja) e depois a tecla PV, na qual aparece NPV em laranja (Net Present Value ou Valor Presente Líquido);
- A calculadora fornecerá o VPL, que neste caso é de R$ -7.740,37. Como o VPL é negativo, não se deve investir neste consultório.
Para calcularmos a TIR na calculadora HP 12C, usaremos os mesmos dados já digitados acima. Para isso não é necessário digitá-los novamente, bastando apertar novamente a tecla f (indica a função designada em laranja) e depois a tecla FV, na qual aparece IRR em laranja (Internal Rate of Return ou Taxa Interna de Retorno). A calculadora fornecerá a TIR que, neste caso é de 11,13%. Como a TIR é menor que o custo do capital (13%), não se deve investir no consultório.
Tanto o VPL quanto a TIR do consultório acima indicam que o projeto não será lucrativo e, portanto, não se deve investir nele. Neste caso, não há necessidade de saber qual o payback deste projeto.
REAJUSTANDO SEUS PLANOS DE ACORDO COM VPL, TIR E PAYBACK
Tal como o plano de negócios, o cálculo do VPL, da TIR e do payback não deve ser usado apenas quando se deseja iniciar um consultório. Eles devem ser usados para um consultório que já esteja em funcionamento justamente para saber quais ajustes precisam ser feitos no projeto.
O VPL, a TIR e o payback devem ser usados também em consultórios que já estejam em funcionamento, para determinar quais ajustes precisam ser feitos no projeto
Suponha que seu consultório já esteja em funcionamento sem que você tenha seguido os passos acima. Então, após ler esta matéria, você decide fazer seu plano de negócios e determinar o VPL, a TIR e o payback. Suponha, ainda, que você identifica que o seu consultório (já em funcionamento) é inviável. Isto não significa que você terá que abandoná-lo, embora você seja livre para fazê-lo. Mas, se você percebeu que esta inviabilidade é resultante de uma gestão financeira inadequada, significa que você terá que fazer os ajustes necessários para torná-lo economicamente viável e lucrativo.
Estes ajustes podem ser, por exemplo:
- aumentar a taxa de ocupação do consultório,
- reduzir gastos fixos,
- reduzir o custo médio ponderado do capital,
- descredenciar alguns convênios,
- otimizar o uso do espaço físico, dos equipamentos e dos recursos humanos,
- melhorar o planejamento tributário, dentre outras medidas.
Perceba que, sem fazer o plano de negócios e calcular o VPL, a TIR e o payback, você jamais saberia que seu projeto encontra-se inviável e que você teria de fazer ajustes nele. O fato de seu consultório ter começado da forma errada não significa que ele tenha que continuar no caminho errado. Mas a atitude de colocá-lo no caminho certo depende de você.
GESTÃO FINANCEIRA NO PLANEJAMENTO DE EXPANSÕES
Tanto o plano de negócios quanto os indicadores de viabilidade também podem ser usados para determinar a viabilidade da aquisição de um equipamento, de uma sala adicional ou mesmo a viabilidade de ampliar a oferta de serviços, com o consultório já em funcionamento. Isto evitará que se faça investimentos desnecessários ou que se deixe de fazer investimentos lucrativos.
O fato de seu consultório ter começado da forma errada não significa que ele tenha que continuar no caminho errado. Mas a atitude de colocá-lo no caminho certo depende de você.
No entanto, neste caso específico em que se avalia um subprojeto (aquisição de um equipamento, por exemplo) que faz parte de um projeto maior (consultório), deve-se analisar o subprojeto dentro do contexto do projeto como um todo. Isso porque um subprojeto pode mostrar-se inviável isoladamente, mas, ainda sim, não pode ser rejeitado por ser fundamental para viabilizar o projeto maior.
Por exemplo, ao analisar a viabilidade da compra de uma impressora para o consultório, após fazer o plano de negócios e determinar o VPL, a TIR e o payback, você pode constatar que se trata de um subprojeto inviável isoladamente. No entanto, a impressora é um equipamento fundamental para a viabilidade do consultório como um todo e, portanto, o subprojeto (compra da impressora) não pode ser rejeitado, devendo ser implementado, já que o projeto maior (consultório) é economicamente viável.
Portanto, caros colegas, ao determinarem a viabilidade de montar um consultório, vocês saberão de antemão se o projeto será lucrativo. Lembrem-se que, enquanto o projeto ainda está no papel, é mais fácil alterá-lo. A análise de viabilidade evitará que vocês invistam em projetos ruins e que darão prejuízo a vocês.