Nova técnica com ultrassom permite acesso inédito ao cérebro de bebês
Tecnologia inovadora atinge graus inéditos de precisão ao analisar cérebros de crianças pequenas e pode ajudar em pesquisas sobre doenças neurológicas.
Estudar o desenvolvimento saudável ou patológico do cérebro de recém-nascidos é um desafio para médicos e pesquisadores. É possível obter imagens estáticas desse órgão em bebês ou analisar o tecido em biópsias, mas observar a função cerebral em tempo real é muito mais difícil do que em adultos – e por motivos que o pediatra pode bem imaginar…
As técnicas atualmente conhecidas de imageamento cerebral em tempo real possuem grandes desvantagens quando aplicadas aos pequenos humanos: a ressonância magnética funcional (fMRI), por exemplo, não obteria imagens claras devido ao movimento constante dos bebês; além disso, é baseada em aparelhagem muito grande para ser transportada até o lado do berço de um delicado recém-nascido – e, como se não bastasse, ainda é uma técnica cara. O eletroencefalograma (EEG), por sua vez, não consegue analisar estruturas cerebrais interiores com nitidez ou mostrar a origem precisa de uma convulsão.
Buscando uma solução para esses problemas, um grupo de pesquisadores liderado pelo neurocientista Olivier Baud, do Robert Debré University Hospital, em Paris, propôs o uso do ultrassom no estudo cerebral de crianças. Ao modificar emissores tradicionais de ultrassom, uni-los a outras técnicas de imageamento e aproveitar a estrutura óssea típica das crianças pequenas, os pesquisadores obtiveram resultados promissores, que podem ser a base de estudos impactantes sobre o desenvolvimento cerebral e o tratamento de doenças neurológicas. Os resultados foram publicados em artigo no periódico científico Science Translational Medicine (encontre o link ao final do texto).
POR QUE ULTRASSOM PARA ESTUDAR O CÉREBRO DE BEBÊS
A tecnologia do ultrassom é barata, não invasiva e já bastante familiar. Ela se baseia em ondas de som de alta frequência para obter imagens do interior do organismo. Pesquisas anteriores já haviam mostrado que ondas de ultrassom extremamente rápidas, que formam cerca de 10 mil imagens por segundo (o ultrassom convencional produz aproximadamente 50), conseguem detectar até mesmo pequenas mudanças no volume de sangue dentro de veias em cérebros humanos e de camundongos, permitindo realizar diagnósticos e análises aprofundadas da estrutura cerebral. Ademais, assim como na fMRI, é possível utilizar esses dados para inferir a atividade elétrica de neurônios.
Porém, o uso do ultrassom traz, também, desvantagens: as ondas sonoras não conseguem atravessar completamente o crânio. Para a realização de pesquisas médicas ou técnicas diagnósticas, os ossos precisariam ser lixados ou completamente abertos – algo inviável em crianças pequenas.
FONTANELA COMO ‘JANELA’ PARA O CÉREBRO
No estudo, os pesquisadores posicionaram um pequeno e leve aparato, de apenas 40 gramas, capaz de produzir ondas de ultrassom na fontanela anterior de seis bebês saudáveis. Um suporte flexível de silicone manteve o dispositivo no lugar correto, enquanto um cabo transmitia os dados para um computador.
O ultrassom do grupo de Baud mostrou ser 50 vezes mais preciso ao medir o fluxo sanguíneo do que o ultrassom convencional. Alguns resultados interessantes já foram inclusive adquiridos nesse estágio inicial das pesquisas.
OS RESULTADOS: DETALHAMENTO NUNCA ANTES VISTO
- Assim como um EEG, o novo equipamento consegue distinguir entre duas fases de sono nos recém-nascidos: o sono ativo, no qual o cérebro exibe atividade elétrica de maneira contínua; e o sono quieto, no qual a atividade cerebral aumenta e diminui.
- Quando combinado com o EEG, o ultrassom foi capaz de detectar convulsões em dois bebês cujos córtex se desenvolveram de forma anormal. Os pesquisadores conseguiram, também, determinar o local no cérebro onde as convulsões tiveram início ao monitorar o aumento do fluxo sanguíneo que ocorre em eventos como esse.
- O dispositivo ainda não é sensível o suficiente para monitorar a atividade cerebral fora das regiões das fontanelas, mas Baud acredita que, ao refiná-lo, ele poderia detectar atividade cerebral anormal causada por condições como a sepse.
DESCOBRINDO A ORIGEM DE DOENÇAS
Os pesquisadores esperam que a nova técnica possa ser utilizada, dentre diversas opções, para descobrir as origens de certas patologias neurológicas, como o autismo, em seus estágios iniciais e para estudar o desenvolvimento do cérebro saudável em um nível de detalhamento nunca antes alcançado.
Os dados do novo aparelho podem ser úteis também para fornecer novas e importantes informações sobre recém-nascidos para testes clínicos de drogas destinadas a proteger o cérebro neonato de infecções. Por fim, ainda têm potencial para contribuir com pesquisas básicas que buscam compreender os mecanismos cerebrais no geral.
REFERÊNCIAS
- Functional ultrasound imaging of brain activity in human newborns. Charlie Demene, Jérome Baranger, Miguel Bernal, Catherine Delanoe, Stéphane Auvin, Valérie Biran, Marianne Alison et al. Science Translational Medicine 11 Oct 2017: Vol. 9, Issue 411, eaah6756. DOI: 10.1126/scitranslmed.aah6756.