Como Não Falar com uma Criança que Está Acima do Peso
Analisamos um recente artigo que aborda o cuidado com as crianças acima do peso. Qual a maneira mais eficiente de conversar com elas sobre a saúde?
Caros leitores do PortalPed,
ao contrário do padrão que normalmente trazemos às quintas-feiras — o resumo de um artigo de periódico científico que tenha impacto em nossas condutas —, hoje trago para vocês a interpretação de uma matéria veiculada no jornal The New York Times, escrita pela Dra. Perry Klass, pediatra e escritora americana, e publicada em 20 de novembro de 2017. Essa matéria foi escolhida pela excelente revisão e abordagem de um tema delicado: o cuidado com crianças acima no peso. A matéria traz, ainda, discussões com especialistas e análise das últimas publicações sobre o tema. Discorro sobre ela a seguir.
O estigma carregado por pessoas com obesidade é disseminado em todas as sociedades modernas e, ao contrário do que pensamos, constitui uma das principais causas de danos futuros a quem sofre com ela. Conversar sobre esse tema com a população nunca é fácil, em especial com crianças e adolescentes, para os quais tememos que essa discussão provoque ainda mais desconforto.
Esse estigma do peso é frequentemente propagado e tolerado pela sociedade, por se acreditar que o descrédito e a censura motivarão as pessoas a perder peso.
Culpa e censura não provocam mudanças, apenas fazem com que as pessoas sintam-se mal — e quando as pessoas se sentem mal, elas não se sentem estimuladas a adotar um comportamento mais saudável
– diz o Dr. Stephen J. Pont, professor assistente da Escola Dell de Medicina da Universidade do Texas. Ao contrário do que se acredita, estigmatizar a obesidade pode levar à alimentação compulsiva, ao isolamento social, evitar a busca de serviços de saúde, diminuição da atividade física e aumento ainda maior do ganho de peso.
Dr. Pont é um dos principais autores da publicação da American Academy of Pediatrics (AAP), em conjunto com a Obesity Society americana, intitulada “O Estigma Experimentado por Crianças e Adolescentes com Obesidade” (Stigma Experienced by Children and Adolescents With Obesity), divulgada no Jornal Pediatrics também em novembro de 2017. Dentre outras recomendações, o artigo sugere que os pediatras usem palavras neutras para tratar do assunto, como “peso” e “índice de massa corporal” ao invés de “obeso” ou “gordo”.
O texto do The New York Times explica ainda que as recomendações do artigo acima incluem conselhos para que os médicos sejam cautelosos com suas táticas e atitudes, de modo que não sejam criados vieses contra as crianças e os adolescentes obesos, e, além disso, que atuemos ativamente na luta contra esse estigma em nossa sociedade. Essas recomendações são feitas, segundo a Dra. Klass, no contexto de de uma extensiva pesquisa em literatura sobre o quão comum é para as crianças que elas sejam alvos de piadas e de bullying por conta de seu peso, e como isso é contraproducente.
COMENTÁRIOS COM EFEITOS DE LONGO PRAZO
Dra. Rebecca Puhl, psicóloga professora do Departamento de Desenvolvimento Humano e Estudo das Famílias da Universidade de Connecticut e outra autora do artigo, diz que “apesar de toda a atenção dada nos serviços de saúde ao peso e aos seus efeitos na saúde, o lado social e emocional é negligenciado”.
O peso é atualmente um dos principais motivos pelos quais as crianças são ridicularizadas e ameaçadas
– conta a Dra. Puhl, que ainda disse que, além dos bem documentados efeitos na saúde mental e autoestima dessas crianças, o estudo mostrou que esses comportamentos são responsáveis por repercussões bastante deletérias nos hábitos alimentares delas, além de aumento de risco para que elas permaneçam sedentárias e ganhem peso.
Em outro estudo publicado pela equipe da Dra. Puhl no periódico Preventive Medicine, observaram-se os efeitos longitudinais em 1.800 adolescentes que eram ridicularizados pelo seu peso, seguidos desde os seus 15 anos até meados dos seus 30 anos. “Terem sofrido piadas relacionadas ao seu peso na adolescência resultou em maior incidência de obesidade nesses pacientes, bem como no ato de comer para lidar com os sentimentos. Essas experiências provocativas têm efeitos a longo prazo no que diz respeito à saúde e à adoção de um comportamento saudável,” ela conta.
Especialmente para as mulheres, sofrer experiências jocosas na adolescência por parte de seus pais ou de colegas esteve associado à alimentação compulsiva, ao prejuízo na imagem corporal, à obesidade e IMC mais elevados 15 anos após. Para os homens, observou-se algumas das mesmas associações, incluindo obesidade na vida adulta.
MUITAS ABORDAGENS ATUAIS SÃO CONTRAPRODUTIVAS
Acampamentos para perda de peso são relativamente comuns nos Estados Unidos. Estudos mostram que cerca de dois terços dos adolescentes que frequentam esses acampamentos sofrem bullying por conta de seu peso nesses locais, sendo mais de 90% das vezes por seus próprios colegas. O texto revela ainda que um outro estudo mostrou que eles frequentemente também são importunados com escárnio por seus familiares. “Os profissionais que cuidam de crianças podem ser alguns dos poucos aliados que essas crianças e adolescentes possuem para oferecer suporte e tentar prevenir danos,” relata a Dra. Puhl.
A Dra. Klass, autora da matéria, revela que uma colega sua, diretora de um programa de obesidade em um hospital americano, lhe disse certa vez que “a pior coisa a se fazer é entrar no consultório com uma menina de 11 anos e dizer: ‘sua filha é obesa’. A criança vai chorar!”. Revelou também uma experiência pessoal, quando uma mãe trouxe um menino para a consulta e repetia: “’você não quer ficar como seu tio! Ele teve que fazer uma operação e quase morreu!’ — a criança agora está aterrorizada!”
Diz ainda que uma epidemiologista da Universidade de Michigan, Dra. Katherine Bauer, citou uma crença que circula em nossa sociedade e que ela definiu como “a crença prevalente de que as pessoas não sabem que são obesas, e se nós simplesmente lhes informarmos isso então elas se tornarão magicamente motivadas a mudar seu comportamento,” quando de fato essas críticas fazem exatamente o contrário.
COMO AJUDAR AS CRIANÇAS QUE ESTÃO ACIMA DO PESO?
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