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Você conhece o Transtorno de Jogo Compulsivo pela Internet?

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Como identificar o vício por jogos eletrônicos? Analisamos uma recente revisão sobre jogadores compulsivos e os efeitos desse transtorno no desenvolvimento dos jovens.

 

O artigo que iremos discutir hoje foi publicado no último mês no Pediatrics e aborda um tema em evidência nos dias atuais: o ‘excesso’ de tecnologia. É indiscutível a importância e os benefícios da tecnologia em nossas vidas, assim como é evidente que ela está cada vez mais presente no dia-a-dia das crianças e adolescentes. Entretanto, como quase tudo em nossas vidas, o abuso pode trazer consequências deletérias. Veja abaixo o alerta que esse artigo nos traz.

 

A Associação Americana de Psiquiatria (APA) recentemente reconheceu o Transtorno de Jogo Compulsivo pela Internet (em inglês, Internet Gaming Disorder – IGD) como um possível diagnóstico e tem juntado esforços para a realização de estudos para melhor definição e conhecimento sobre a patologia e pela sua inclusão na próxima edição do Diagnostic and Statistical Manual – 6ª edição (DSM-6).

Como essa ainda é uma problemática recente, não temos estudos de grande impacto e, consequentemente, não temos os critérios diagnósticos bem definidos, esquemas de tratamento, nem clareza sobre o curso natural da doença. Sendo assim, os autores deixam claro que o presente estudo serve como alerta para o tema, procurando organizar o que já é sabido, definindo as questões a serem esclarecidas e os possíveis caminhos a serem seguidos.

 

paper Internet Gaming Disorder pediatriaO ESTUDO

  • Internet Gaming Disorder in
    Children and Adolescents
  • Douglas A. Gentile, Kira Bailey, Daphne Bavelier, Jeanne Funk Brockmyer, Hilarie
    Cash, Sarah M. Coyne et al.
  • PEDIATRICS Volume 140, number s2, November 2017
Baixe o Artigo na Íntegra

 

 

Jogo Compulsivo pela Internet: Visão geral do problema

“A observação sugere que as interações online provocam mais frequentemente o vício nos jovens”

Nos Estados Unidos, mais de 90% das crianças e adolescentes utilizam jogos eletrônicos, na maioria das vezes gastando uma quantidade substancial de horas na frente das telinhas. O uso disfuncional dessa tecnologia, então, passa a ser considerado uma patologia, a partir do momento que ocorre o desenvolvimento de vício, com prejuízo de diversos aspectos da saúde mental e do desempenho social, afetivo e laboral/escolar.

Esse uso disfuncional pode ocorrer tanto com jogos online quanto offline. Entretanto, a observação sugere que a interação online provoca mais frequentemente o vício. A observação também sugere que o tempo gasto nos jogos não é linearmente associado com o aparecimento do abuso, não podendo ser utilizado como fator isolado para o diagnóstico.

Há bastante divergência sobre a prevalência do problema, especialmente por ainda não haver clareza quanto aos critérios diagnósticos utilizados nos estudos observacionais. Entretanto, parece também haver uma ampla variação de acordo com classes sociais e fatores culturais. Um estudo americano fala em 8,5% dos jogadores entre 8 e 18 anos. Um estudo alemão com alunos do nono ano escolar fala em 1,2%. Já um estudo holandês encontrou uma prevalência de 5,5% entre adolescentes de 13 a 20 anos. De qualquer forma, não são números desprezíveis. Esse é um problema real, com o qual devemos nos preocupar.

 

Diagnóstico: sinais de perigo

adolescentes no smartphone - depressao

Como já dissemos anteriormente, o número de horas gastos nos jogos não serve, por si só, para o diagnóstico do IGD, embora há uma correlação entre os dois fatores. Para tentar padronizar o diagnóstico, a APA sugere que, dentre os 9 critérios expostos abaixo, a criança ou adolescente que apresente ao menos 5, num período de 12 meses, seja classificado como portador de IGD. São eles:

  1. Preocupação frequente com os jogos (sejam jogos pregressos ou vindouros), tornando o jogo uma atividade cotidiana dominante;
  2. Presença de sintomas de abstinência (irritabilidade, ansiedade ou tristeza);
  3. Desenvolvimento de tolerância – precisar cada vez aumentar mais o tempo de jogo diário;
  4. Tentativas frustradas de reduzir a participação em jogos;
  5. Perda de interesse em relacionamentos extra-jogos eletrônicos, hobbies e outras formas de entretenimento;
  6. Manutenção do uso excessivo de jogos eletrônicos, a despeito de reconhecer que há problemas psicossociais;
  7. Já ter enganado familiares ou terapeutas quanto ao uso dos jogos;
  8. Utilização dos jogos como válvula de escape para momentos de estresse ou tristeza;
  9. Já ter comprometido ou perdido um emprego ou relacionamento, assim como prejuízo educacional por conta dos jogos.

 

Apesar dessas diretrizes para o diagnóstico, o artigo reafirma que ainda não há uma ferramenta diagnóstica completamente estabelecida, por falta de estudos com robustez.

 

Etiologia e Evolução Clínica

A etiologia para IGD não foi estabelecida ainda, assim como ainda não se sabe ao certo quais são os principais fatores de risco associados ao seu desenvolvimento. Sabe-se que a maioria dos portadores de IGD apresentam também sintomas de depressão, mau desempenho escolar, piora do relacionamento com os pais e comportamentos agressivos.

 

IGD: Tratamento e Prevenção

Como não existem grandes trabalhos de coorte e randomizados controlados, não se sabe ao certo qual o melhor caminho a ser seguido. A terapia comportamental cognitiva parece ser promissora, assim como terapias familiares e intervenções motivacionais. Não há, ainda, terapia medicamentosa estabelecida.

A prevenção parece ser o melhor caminho. Sendo assim, o pediatra e o educador têm papéis fundamentais na identificação do problema, assim como na correta orientação dos pais e cuidadores para que eles saibam prevenir o desenvolvimento do IGD, além de saberem como agir frente às alterações comportamentais.

Recomenda-se, em primeiro lugar, que as orientações da Academia Americana de Pediatria (AAP), já comentadas anteriormente por nós no PortalPed, sejam seguidas. É de suma importância que os pais e cuidadores acompanhem seus filhos durante o uso de jogos eletrônicos e outras mídias, e limitem o tempo de seu uso. Eles devem ser orientados a ensinarem seus filhos a como e quando parar de jogar, devem evitar o uso dos jogos próximo ao horário de dormir e devem evitar que esse uso seja disponibilizado no quarto da criança/adolescente. Parece que a limitação do tempo de uso dos jogos eletrônicos tem, sim, um efeito protetor significativo.

Durante a consulta pediátrica, devemos abordar o tema, diretamente com nossos pacientes, explorando como a criança/adolescente gasta seu tempo, quais são seus hobbies e atividades, assim como o tempo que gastam com jogos eletrônicos nas diferentes plataformas. Ainda na consulta, é essencial que possamos orientar aos pais e cuidadores sobre a importância desse problema e a gravidade de suas consequências, tanto na esfera social quanto emocional, estudantil e profissional.

TECNOLOGIA NÃO É VILÃ

Não podemos nos esquecer dos enormes benefício que a tecnologia tem trazido ao cotidiano, inclusive na esfera educacional. As escolas têm utilizado cada vez mais de ferramentas tecnológicas para tornar o aprendizado mais fácil, atrativo e rápido. Entretanto, a Escola também exerce papel fundamental na identificação do IGD, assim como na educação das crianças e adolescentes quanto ao uso correto da tecnologia.

pai e filho jogando videogame

Assim que suspeitarmos da IGD, devemos, além da abordagem familiar já citada, envolver os profissionais de saúde mental no acompanhamento dessas crianças e adolescentes, para que consigamos evitar os efeitos deletérios desse tipo de vício de maneira cada vez mais precoce e eficaz. Também como pediatras, devemos estar atentos às posturas das Instituições e do Governo, cobrando para que tenhamos acesso aos instrumentos necessários para atendimento desses pacientes, assim como para o desenvolvimento de políticas públicas de saúde envolvendo esse assunto.

É fundamental ampliar a pesquisa sobre o tema, validando e definindo os critérios diagnósticos, identificando os fatores de risco para o desenvolvimento de IGD, conhecendo mais profundamente a evolução natural da doença e definindo melhor as linhas de tratamento, tanto da IGD propriamente dita quanto das comorbidades associadas (ansiedade, depressão e déficit de atenção).

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Dr. Sidney Volk

Médico pediatra especializado em medicina intensiva pediátrica, com graduação e especialização pela Unicamp. Membro do corpo editorial do PortalPed.

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