Introdução Alimentar: Quando Iniciar Alimentos Alergênicos
Discutimos as mais recentes evidências sobre introdução de alimentos alergênicos – ovos, leite de vaca, amendoim e glúten – na dieta das crianças.
A introdução de alimentos sólidos à dieta infantil é a fase de transição entre a alimentação exclusivamente láctea e a dieta familiar, associando as demandas nutricionais às necessidades de desenvolvimento da criança.
Aos pais, deve-se reforçar que o açúcar não deve ser acrescentado na alimentação das crianças antes de 1 ano e, preferencialmente, não antes dos 2 anos. Da mesma forma, a alimentação complementar deve seguir os preceitos de uma alimentação balanceada e saudável, sem excesso de sal ou de frituras. Atualmente, o preconizado é que, a partir dos 6 meses, a criança inicie com duas papas de frutas ao dia e uma papa salgada. A partir do 7º mês, acrescenta-se a segunda papa salgada, ficando então a criança com quatro refeições complementares (além do leite materno).
Há 20 anos, a introdução alimentar era realizada de forma mais gradual, com o atraso na introdução de alimentos alergênicos, como ovo e glúten, em crianças predispostas para após os 10 meses. A recomendação atual é de que se inicie com todos os alimentos de forma gradual, porém com a introdução já no 6º mês de carne vermelha, peixe, frango e ovo. Tal recomendação visa a reduzir as alergias alimentares, promovendo uma adaptação imunológica precoce, num período fundamental da formação da flora gastrointestinal.
ALIMENTOS ALERGÊNICOS (LEITE, AMENDOIM, OVO, GLÚTEN) – QUANDO INTRODUZI-LOS NA ALIMENTAÇÃO?
Estudo de coorte realizado em Israel e publicado em 2010 concluiu que a introdução precoce de leite de vaca por meio de fórmulas infantis, associada ao aleitamento materno, reduziria as taxas de alergia ao leite de vaca IgE mediada [1]. Mais recentemente, um ensaio clínico com a introdução de alimentos contendo amendoim em pequena quantidade concluiu que tal conduta poderia reduzir o risco de alergias a este alimento em crianças predispostas [2]. E, assim, alguns estudos vêm sendo publicados discutindo a introdução precoce de alimentos alergênicos — entre 4 e 6 meses — e seu papel na redução das taxas de alergias alimentares [3].
Com relação ao glúten, uma revisão de 2016 das recomendações da European Society for Paediatric Gastroenterology Hepatology and Nutrition (ESPGHAN) concluiu que esse alimento pode ser introduzido entre 4 e 12 meses de idade para todas as crianças, independentemente de estarem ou não em aleitamento materno (o aleitamento materno não se mostrou um fator protetor contra a doença celíaca, tanto isolado quanto concomitante à introdução do glúten nesse período etário) [4,5]. O risco de desenvolvimento de autoimunidade para doença celíaca (definida como sorologia positiva) e de doença celíaca foi maior apenas naqueles pacientes com risco de seu desenvolvimento (com ao menos um dos alelos de risco). Recomenda-se que a criança não receba grandes quantidades de glúten no início de sua introdução.
Em revisão sistemática publicada em 2016, concluiu-se que a introdução precoce (4 a 6 meses) de amendoim e ovo reduziu o risco de alergia a estes alimentos. Também concluiu que a introdução precoce destes alimentos não aumentou o risco de outras alergias alimentares [6].
Outra revisão, pulicada em 2017, mostrou que a introdução de alimentos alergênicos deve ser realizada entre 4 a 6 meses, mas nunca antes disso. Ainda outro estudo coloca que a introdução precoce (aos 4 meses) não reduziu o tempo de aleitamento materno total [7].
Um grande estudo realizado com crianças europeias avaliou a influência da introdução de sólidos em sobrepeso e obesidade. A conclusão foi a de que a introdução tardia de alimentos sólidos — após os 7 meses — está associada ao sobrepeso e à obesidade, enquanto que a introdução de sólidos entre 4 e 6 meses, concomitante ao aleitamento materno, mostrou redução do risco destas doenças [8].
Percebe-se pelas últimas publicações que ainda não há um consenso a respeito de todos os elementos da introdução alimentar infantil. E ainda são necessários mais estudos para se poder determinar exatamente as condutas a serem tomadas. No entanto, a partir de todos esses dados, algumas conclusões ponderadas podem ser feitas.
ALGUMAS CONCLUSÕES
- O aleitamento materno deve ser incentivado e mantido de forma exclusiva até os 6 meses de vida da criança. Há, inegavelmente, benefícios nesta prática, tanto nutricionalmente como imunologicamente;
- A introdução de alimentação complementar não deve ser posterior aos 7 meses de vida. Estudos mostram que a introdução tardia de sólidos está associada a maiores taxas de obesidade e sobrepeso;
- A introdução de alimentos alergênicos (ovo, peixe, amendoim) deve ser realizada entre os 4 e 11 meses de vida, independentemente do histórico familiar de alergia alimentar. Tal conduta diminui o risco de alergia a estes alimentos;
- O glúten deve ser introduzido entre os 4 e 11 meses de vida, independentemente do histórico familiar, mas não em grandes quantidades. A introdução concomitante ao aleitamento materno não mostrou efeito protetor quando comparada com a introdução precoce isolada;
- Não há evidências para indicar o uso de fórmulas infantis concomitante ao aleitamento materno como forma de prevenir alergia à proteína do leite de vaca.
A introdução alimentar deve ser individualizada, respeitando as necessidades de cada criança. O aleitamento materno deve ser incentivado de forma exclusiva até o sexto mês e complementar até os 24 meses, pelo menos.
BIBLIOGRAFIA
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- Ierodiakonou D, Garcia-Larsen V, Logan A, Groome A, Cunha S, Chivinge J, et al. Timing of Allergenic Food Introduction to the Infant Diet and Risk of Allergic or Autoimmune Disease. Jama [Internet]. 2016;316(11):1181. Available from: http://jama.jamanetwork.com/article.aspx?doi=10.1001/jama.2016.12623
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- Papoutsou S, Savva SC, Hunsberger M, Jilani H, Michels N, Ahrens W, et al. Timing of solid food introduction and association with later childhood overweight and obesity: The IDEFICS study. Matern Child Nutr [Internet]. 2017;(December 2016):e12471. Available from: http://doi.wiley.com/10.1111/mcn.12471