Gastroenterologia

Doença Celíaca — Classificação, Diagnóstico e Tratamentos

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Uma revisão completa sobre doença celíaca, suas causas e apresentações, métodos diagnósticos, principais tratamentos e seus benefícios.

 

Apesar de até 40% da população carregar o genótipo HLA-DQ2 ou HLA-DQ8 — necessários para o desenvolvimento da doença —, apenas 2% a 3% dos portadores irá desenvolvê-la.

A doença celíaca (DC) é uma enteropatia crônica imunomediada do intestino delgado, desencadeada pela ingestão de glúten em indivíduos geneticamente predispostos e que afeta múltiplos órgãos. A doença é caracterizada pela presença de autoanticorpos específicos contra transglutaminase tissular 2, endomísio e/ou peptídeo de gliadina.

Antigamente considerada uma condição rara que afetava quase exclusivamente crianças brancas jovens, sabemos hoje que pode se desenvolver em qualquer idade e afetar praticamente qualquer raça.

A doença celíaca é comum em todo o mundo, e sua prevalência aumentou significativamente nos últimos 20 anos, variando de acordo com a população estudada, sendo descritas prevalências de 1 a 5%. No Brasil, estima-se 0,5% a 1,6%, porém sabemos haver alto índice de subnotificação. Em populações de alto risco, a prevalência é ainda mais alta, devendo sempre ser triados. Confira mais detalhes na Tabela a seguir.

 

Doença Celíaca: Manifestações Clínicas

referências 1,2,3,4,6,7,16

A DC é uma entidade de extrema importância em pediatria devido à enorme gama de manifestações em que pode se apresentar. Listamo-nas na Tabela 2 a seguir:

 

Classificações da Doença Celíaca

referências 15,16,3,21

DC clássica

Apresenta-se com sinais e sintomas de má absorção: diarreia, esteatorreia, insuficiência de crescimento ou perda de peso. Crianças frequentemente apresentam déficit pôndero-estatural, apetite pobre, hipotrofia muscular glútea e distensão abdominal, além de poderem apresentar sinais de sofrimento emocional (alteração de humor) e letargia.

 

DC extraintestinal ou não clássica

Apresenta-se sem sinais e/ou sintomas de má absorção. Pacientes podem apresentar dor abdominal recorrente, constipação refratária ou manifestações extraintestinais.

 

Subclínica

São os pacientes que não apresentam sintomas sugestivos, mas possuem teste sorológico positivo e biópsia com evidência de atrofia de vilosidades. Esses casos geralmente são detectados pela triagem de grupos de alto risco (ver Tabela 1 acima). O termo “silencioso”, empregado até pouco tempo atrás, se faz impróprio, uma vez que muitos desses pacientes que realizam dieta de isenção de glúten acabam por reconhecer posteriormente alguns sintomas que pensavam ser normais.

 

Potencial

Indivíduos que têm resultados positivos para anticorpos específicos de DC, mas nunca apresentaram biópsia compatível com a doença e são assintomáticos. Esses indivíduos são identificados em testes de triagem por pertencerem a grupos de alto risco. A maioria deles não irá desenvolver a doença.

 

Latente

Indivíduos que apresentaram todos os critérios diagnósticos em algum momento da vida, mas posteriormente recuperaram e tiveram uma biópsia duodeno/jejunal normal e pouco ou nenhum sintoma, mesmo numa dieta composta por glúten. Em muitos casos, a DC foi inicialmente diagnosticada durante a infância e tratada com dieta isenta de glúten; a partir de então, a doença permaneceu quiescente, apesar de retomada de uma dieta normal.

 

Diagnóstico

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Na prática clinica, a dosagem de IgA antitransglutaminase tecidual (anti-tTG) (ou classe IgG em pacientes com deficiência de IgA, portanto deve-se sempre dosá-la) é o método de escolha atual pelo melhor custo-benefício e confiabilidade. Em crianças menores de 2 anos, os testes sorológicos podem não ser tão acurados, portanto recomenda-se sempre dosar anti-tTG e IgG antigliadina deaminada (AGD) em conjunto. AGD apresenta uma sensibilidade e especificidade próximas ao IgA anti-tTG e deve ser usado como o teste de triagem inicial para pacientes com deficiência de IgA.

A dosagem de anticorpos IgA antiendomisio (EMA) é 98% específica para doença celíaca ativa, mas deve ser usada apenas como teste de confirmação, devido ao custo mais elevado e à interpretação subjetiva, apresentando uma sensibilidade variável.

Testes sorológicos para DC são dependentes do consumo de glúten, e a isenção dele na dieta pode resultar em falso-negativos. Embora a duração exata do consumo de glúten necessário antes dos testes não seja conhecida, os especialistas concordam que a ingestão de 10 g de glúten (equivalente a 2 fatias de pão de trigo integral) por dia, durante 8 semanas, deva permitir uma interpretação fidedigna.3

A pesquisa de HLA-DQ2 e HLA-DQ8 pode ser útil quando há discrepância entre os estudos sorológicos e achados histológicos, pois sua negatividade praticamente exclui a DC.

A pesquisa diagnóstica pode ser realizada conforme o seguinte Algoritmo:

Algoritmo 1. (adaptado de Maureen M. et.al, Celiac Disease and Nonceliac Gluten Sensitivity, A review 19)
*tTG: anti-transglutaminase   *EMA: anti-endomisio  *EDA: endoscopia digestiva alta

 

Diagnóstico Histológico da Doença Celíaca

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Um amplo espectro de sinais histológicos pode estar presente, variando de uma arquitetura vilosa normal até atrofia severa das vilosidades. No entanto, estas alterações não são patognomônicas de DC e a maioria delas pode ser vista em outras entidades, tais como alergias alimentares (principalmente à proteína do leite de vaca ou soja), doença de Crohn e infecções virais, bacterianas ou parasitárias (em destaque Giardia lamblia, devendo-se sempre que possível dosar antígeno fecal de giardia).

As biópsias de intestino delgado — que devem ser realizadas na segunda e terceira porções do duodeno (pelo menos 4 amostras), e com pelo menos 1 biópsia do bulbo duodenal — estabelecem o diagnóstico definitivo da DC. Sua classificação e achados histológicos compatíveis são dados pelos critérios de Marsh conforme a Tabela 3 abaixo demonstra.

As biópsias de intestino delgado estabelecem o diagnóstico definitivo da DC.

* > 40 linfócitos intraepiteliais por 100 enterócitos por Marsh modificado (Oberhuber);
> 25 linfócitos intraepiteliais por 100 enterócitos por Corazza.15

 

Tratamento

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trigo e gluten

Dieta isenta de glúten (DIG) por toda a vida é a única opção de tratamento disponível; no entanto, aderir a essa dieta pode ser difícil, devido às pequenas quantidades de glúten que podem estar presentes em alimentos supostamente “sem glúten”. Estes traços podem ser tão prejudiciais quanto a falta de adesão à dieta.

O acompanhamento com gastroenterologista pediátrico e nutricionista é essencial para garantir o sucesso da DIG e evitar déficits nutricionais.

 

Benefícios do Tratamento

referências 1,3,18

É claramente observada recuperação nutricional em pacientes com déficits.

Vários estudos sugerem que pacientes que têm a condição detectada durante uma triagem, mesmo quando eles se consideram assintomáticos, podem melhorar a qualidade de vida a longo prazo com uma DIG; nesses casos, após o tratamento, descobrem possuírem sintomas os quais achavam ser normais.

É importante lembrar, também, que portadores de DC têm risco aumentado para algumas doenças a longo prazo:

  • Câncer — maior risco nos primeiros anos após o diagnóstico, retorno ao risco normal após 5 anos de tratamento;
  • Linfomas malignos;
  • Adenocarcinoma de intestino delgado;
  • Tumores da orofaringe;
  • Infertilidade sem causa aparente (12%);
  • Prejuízo na saúde óssea e crescimento (30–40% de osteoporose);
  • Fraturas ósseas — risco aumentado em 35% para pacientes com doença celíaca clássica sintomática;
  • Risco aumentado de malignidades em adultos;
  • Complicações na gestação, como parto prematuro, recém-nascido de baixo peso e aborto espontâneo.

 

Conclusão

A DC é uma enteropatia com alta prevalência no mundo todo e possui grande variabilidade de apresentação clínica, tornando seu diagnóstico muitas vezes desafiador. Sua evolução pode ser assintomática, nunca sendo diagnosticada, até quadros muito sintomáticos, que se não tratados irão levar a prejuízo no crescimento e desenvolvimento em crianças.

Devido a essa ampla variação de sintomas, às suas graves consequências, ao fato da DC ser uma doença de fácil rastreio e com tratamento bem estabelecido e eficaz, é importante que ocorra a conscientização dos médicos para que haja um aumento na sua suspeita e consequente maior número de diagnósticos.

 

 

Bibliografia

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Dr. Leandro Buck

Formado em Medicina pela Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, onde também se especializou em pediatria e gastropediatria. Médico assistente do pronto socorro infantil da Santa Casa de São Paulo. Integrante da equipe de chefia do pronto socorro infantil do Hospital São Camilo - Unidade Pompéia de São Paulo. Atende também em seu consultório particular. Autor do e-book “Recém nascidos para leigos - um guia com todas as informações básicas que você precisa saber quando seu bebê nascer”. Website oficial: www.drleandrobuck.com

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