Bronquiolite viral aguda: indicar ou não fisioterapia respiratória? Eis a questão!
Dados divergentes e opiniões conflitantes geram incerteza quanto ao uso da fisioterapia respiratória em crianças com BVA. O que fazer?
Se as evidências são conflitantes, as opiniões pessoais muitas vezes superam essa marca, e é tal impasse que tende a tumultuar a tomada de decisão. Veremos, a seguir, o que a literatura tem a nos dizer sobre o assunto, e traremos também opiniões sobre a qualidade dos dados atuais.
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FISIOTERAPIA RESPIRATÓRIA: O QUE DIZEM AS EVIDÊNCIAS?
Assuntos médicos não deveriam, em tese, gerar discussões tão acaloradas e opiniões pessoais tão fortes. Mas, no caso da indicação ou não de fisioterapia para crianças acometidas pela BVA, a principal reviravolta se deu com a publicação da revisão de um guideline prático de diagnóstico, manejo e prevenção de bronquiolite1 pela American Academy of Pediatrics em 2014. O texto sugere que os médicos não devem indicar fisioterapia respiratória para bebês e crianças com diagnóstico de BVA (evidência B e força de recomendação moderada), embora considere que a terapia possa reduzir o estresse do tratamento e possivelmente custos.
Esse guideline foi baseado principalmente em técnicas de desobstrução brônquica amplamente utilizadas nos países anglo-saxônicos. Na década de 60, a fisioterapia respiratória em adultos e crianças era denominada de “técnica de expiração forçada” e estava associada à drenagem postural e tapotagem (chamada de “fisioterapia convencional”). Quando aplicadas em crianças, principalmente as menores e aos recém nascidos, os resultados são realmente catastróficos: ocorrência de refluxo gastroesofágico, taquipneia, taquicardia, hipoxemia, fratura de costelas e complicações graves do sistema nervoso central2,3,4,5,6. Além disso, essas foram extrapoladas do adulto ou adolescente para o sistema respiratório infantil, que tem toda sua fragilidade fisiológica peculiar, como…
- maior densidade de glândulas submucosas,
- muco mais ácido e com maior viscosidade,
- parede torácica mais complacente,
- maior tendência ao colapso dinâmico das vias aéreas,
- pouca ou nenhuma ventilação colateral e
- imaturidade muscular, sendo mais suscetíveis à fadiga.
Por esses motivos, o uso dessas técnicas não é mais recomendado7,8,9. Mas daí a dizer que a Fisioterapia Respiratória não é recomendada é muito generalista, e alguns estudos têm demonstrado outros desfechos.
OPINIÕES DIVERGENTES
Uma das revisões da Cochrane10 utilizada na construção do guideline contou com nove ensaios clínicos randomizados que não encontraram nenhum benefício clínico ao se utilizar justamente técnicas de vibração ou tapotagem. Já as técnicas de expiração passiva foram sugeridas pelo francês Postiaux como método alternativo de remoção de secreção, mas que, em sua publicação (201111), também não conseguiu demonstrar os benefícios da aplicação da fisioterapia em portadores de BVA.
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Solução Salina Hipertônica: Devemos Usar na Bronquiolite Viral Aguda?
Estudos mais recentes, fundamentados na fisiologia pulmonar de lactentes, levaram ao desenvolvimento de novas técnicas baseadas na equação do movimento de gases respiratórios12 e que respeitam a fragilidade do sistema respiratório infantil. Um consenso proveniente de uma conferência realizada em 2001 na França13 e outros estudos europeus14,15 encorajaram a realização de fisioterapia respiratória nos lactentes com BVA como tratamento inicial, a fim de evitar desfechos como hospitalização em unidades de terapia intensiva e ventilação mecânica. Apesar das controvérsias, não existem ensaios controlados randomizados que tenham fornecido evidências científicas sólidas ao comparar técnicas convencionais com novas técnicas, como a Expiração Lenta Prolongada (ELPr). Originalmente, a manobra foi desenvolvida para ser realizada após nebulização com solução salina hipertônica, mas a indicação rotineira do uso dessa solução em BVA também passa por período de turbulência quanto à sua indicação categórica16.
Estudos recentes, fundamentados na fisiologia pulmonar de lactentes, levaram ao desenvolvimento de novas técnicas baseadas na equação do movimento de gases respiratórios e que respeitam a fragilidade do sistema respiratório infantil.
A ELPr é uma técnica de expiração passiva, progressiva e lenta da Capacidade Residual Funcional (CRF) até o Volume de Reserva Expiratório (VRE). A ELPr tem demonstrado efeitos benéficos sobre os sintomas clínicos em bronquiolite moderada e melhora cumulativa no dia-a-dia17 ; é segura e bem tolerada, pois está mais adaptada à mecânica do lactente e evita o colapso brônquico com a interrupção do fluxo. A lenta e prolongada fase expiratória exala uma parte substancial do VRE. A redução do volume pulmonar está associada ao reflexo de proteção das vias aéreas, o qual restaura o volume pulmonar pela respiração do suspiro (reflexo de Hering-Breuer)18,19. À medida que as secreções atingem as vias aéreas proximais, é eliminada pela tosse (espontânea ou estimulada).
Outra técnica útil é a Desobstrução Rinofaríngea Retrógrada (DRR), que é uma manobra inspiratória indicada para lactentes e tem o intuito de remover secreção das vias aéreas superiores (nariz), podendo ser utilizada como alternativa à aspiração. A aspiração da nasofaringe também pode fornecer alívio temporário à obstrução nasal; para isso, deve-se tomar especial atenção à profundidade de inserção da sonda, pois os casos em que a inserção rotineira da sonda de aspiração foi demasiadamente profunda foram associados a maior tempo de internação20,21.
NEM SEMPRE, NEM NUNCA
É com base em estudos que se utilizaram de técnicas antigas e praticamente proscritas que a American Academy of Pediatrics e a Cochrane Collaboration não recomendam a realização de fisioterapia respiratória convencional em lactentes com BVA, e vimos que há razão nisso. Obviamente, novos estudos bem desenhados e utilizando técnicas atuais e com bons resultados em ensaios clínicos, como a ELPr, são necessários.
Tão importante quanto isso é a necessidade de canal de comunicação transparente entre os profissionais que acompanham a criança com BVA, seja em nível ambulatorial, seja em nível hospitalar. O fisioterapeuta deve estar ciente de que crianças com maior score de gravidade e em situação de agitação psicomotora devem ser avaliadas e submetidas a uma possível intervenção em momento oportuno, a fim de não promover piora do quadro. Além disso, quando nos deparamos com o termo “manipulação mínima”, não significa que devamos deixar a criança imóvel, mas sim conciliar o atendimento da fisioterapia com os demais procedimentos, como coleta de exames, banho, etc.
Nos casos mais graves, a aplicação de manobras torácicas não é a melhor conduta a ser tomada inicialmente. Nesses casos, o fisioterapeuta tem papel fundamental na indicação e titulação de oxigenoterapia e/ou tecnologias de resgate do desconforto respiratório, como a ventilação mecânica não invasiva – e, mais recentemente, a terapia nasal de alto fluxo, que tem se demonstrado um dispositivo com importante impacto positivo nos desfechos.
Em resumo: o fisioterapeuta deve estar apto a avaliar o quadro e garantir uma ótima tomada de decisão quanto à sua conduta em lactentes com BVA. Sejam elas manobras de desobstrução brônquica (quais, como e quando), seja oxigenoterapia, seja o uso de dispositivos que minimizem a chance de falência respiratória.
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