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Escabiose (sarna humana): uma atualização

Epidemiologia, manifestações clínicas, diagnóstico e tratamento da sarna, uma doença que incomoda muito os pacientes e que exige cuidados especiais.

Destaques
  • Você sabia que, apesar do correto tratamento, o prurido causado pela escabiose pode durar semanas?
  • Sabia que, no geral, os pacientes retornam 2 a 3 vezes à consulta por falta de orientação adequada?
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A escabiose é causada por um ácaro e é um motivo frequente de procura à atendimento médico. A falta de tratamento dos contactantes, mesmo assintomáticos, e a não orientação sobre cuidados que devem ser tomados com as roupas pessoais e de cama gera uma taxa de reinfestação elevada. Atualize-se sobre o tema lendo nossa revisão a seguir.

 

Introdução

A escabiose ou sarna humana é uma infestação cutânea intensamente pruriginosa causada pelo ácaro Sarcoptes scabiei var. hominis, específico desse hospedeiro [1,2,3,4]. Apesar de ser uma infestação facilmente tratável, a escabiose ainda é muito prevalente devido:

  • à dificuldade diagnóstica,
  • ao tratamento inadequado do paciente e de seus contactantes,
  • a medidas inadequadas de controle ambiental [2].
A infestação humana com outros S. scabiei (por exemplo, var. canis, hospedados por cães, e var. suis, hospedados por porcos) é autolimitada e considerada não transmissível de humano para humano [3].

A forma clássica da escabiose é caracterizada por uma erupção intensamente pruriginosa que acomete principalmente os dedos, punhos, axilas, aréola e genitália. Os indivíduos imunocomprometidos pode desenvolver a forma crostosa, também chamada norueguesa, que é uma variante menos comum e associada à superinfestação pelos ácaros, o que resulta em espessas incrustações, crostas e fissuras.

O diagnóstico da sarna é confirmado pela detecção de ácaros da sarna, ovos ou fezes com exame microscópico, como veremos a seguir [1].

 

Epidemiologia da sarna

A sarna é um problema de saúde pública global, afetando pessoas de todas as idades, raças e grupos socioeconômicos. Em todo o mundo, estima-se que 200 milhões de casos ocorram anualmente.

As taxas de prevalência são mais elevadas em crianças e indivíduos sexualmente ativos. Pacientes…

  • imunocomprometidos,
  • com infecção pelo HIV,
  • pós-transplante
  • e idosos

…têm maior chance de desenvolver a variante crostosa. Estas populações apresentam lesões clinicamente atípicas, as quais, muitas vezes, são diagnosticadas erroneamente, atrasando o tratamento e elevando o risco de epidemias locais.

Gráfico de DALYs de escabiose por 100 000 pessoas, divididas por idade e por região no mundo. DALY = disability-adjusted life-years. Fonte: The global burden of scabies: a cross-sectional analysis from the Global Burden of Disease Study 2015 – The Lancet Infectious Diseases Volume 17, Issue 12, December 2017, Pages 1247-1254.

A prevalência de escabiose em países em desenvolvimento é mais alta do que em países industrializados. As epidemias em países industrializados ocorrem principalmente em ambientes institucionais, como prisões e instituições de cuidados de longo prazo, incluindo hospitais e casas de repouso. A sarna é uma doença endêmica em muitas regiões tropicais e subtropicais, sendo uma das seis principais doenças epidérmicas parasitárias da pele que são prevalentes em populações com poucos recursos.

Organização Mundial da Saúde relata uma taxa de prevalência de 5–10% em crianças em países tropicais em  desenvolvimento. As taxas de prevalência são extremamente altas em tribos aborígines na Austrália, África, América do Sul e outras regiões em desenvolvimento do mundo [2]. Os desastres naturais, a guerra e a pobreza levam à superlotação e ao aumento das taxas de transmissão [1].

 

Etiologia da sarna

A escabiose humana é causada pelo ácaro S scabiei hominis, um parasita humano obrigatório.

http://www.inrs.fr/publications/bdd/eficatt/fiche.html?refINRS=EFICATT_Gale

 

– A sarna sarcóptica

Conforme mencionado acima, a infestação humana com variedades de S. scabiei de origem animal pode ocorrer. Animais domésticos e selvagens em todo o mundo são suscetíveis à infestação por S. scabiei, e a doença resultante é chamada de sarna sarcóptica. A sarna devida a variedades de S. scabiei que não hominis tem sido relatada em cães, porcos e cavalos, entre outros animais. Nos raros casos de pacientes com sarna não humana transmitida pelos animais, as manifestações clínicas diferem em muitos aspectos. O período de incubação é mais curto, os sintomas são transitórios, a infestação é autolimitada, não se formam orifícios, além de haver distribuição atípica. Não é necessário tratar os contatos de pacientes com escabiose contraídos de uma fonte animal [2].

 

Fisiopatologia da escabiose

A transmissão ocorre por contato direto e prolongado com a pele de uma pessoa infestada, geralmente membros da família ou parceiros sexuais. É improvável a transmissão por contato casual. A transmissão por fômites (presentes, por exemplo, em roupas, lençóis ou outros objetos usados por uma pessoa com sarna clássica) também é incomum; no entanto, é mais frequente na sarna crostosa, devido à maior quantidade de parasitas [1].

Os ácaros entram na epiderme humana, onde o parasita feminino põe ovos. Estes eclodem e se desenvolvem em adultos num período de 2 semanas. O ciclo de vida de S. scabiei é de 4–6 semanas.

Os ácaros adultos morrem fora do seu hospedeiro humano em 24–36h; já os ácaros imaturos podem sobreviver 1 semana.

Os ácaros e produtos de ácaros (fezes, ovos e parasitas mortos) geram reação de hipersensibilidade imediata ou tardia (tipo IV), com os sintomas da sarna iniciando dentro de 3–6 semanas após a infestação primária e 1–3 dias após a reinfestação.

Na sarna clássica, há menos de 5–15 ácaros por hospedeiro; já na sarna crostosa, existe uma carga muito maior de ácaros [3].

 

Manifestações Clinicas da sarna

Definimos, a seguir, duas variantes clínicas (e um tipo específico e infrequente de manifestação):

– Sarna clássica

A característica clínica mais impostante desta variante é o prurido, geralmente intenso e com piora à noite, resultante de uma reação de hipersensibilidade tardia ao ácaro, às fezes e/ou aos ovos. Os sintomas geralmente começam de três a seis semanas após a infestação primária. No entanto, em pacientes previamente infestados, os sintomas geralmente começam dentro de 1–3 dias após a infestação, devido à sensibilização prévia [1]. O prurido tende a piorar progressivamente ao longo de 2 a 3 semanas, obrigando o paciente a procurar atendimento médico [2].

A distribuição da lesão e o prurido intratável (que é pior à noite), bem como os sintomas da sarna surgindo também em pessoas íntimas do paciente (incluindo vários membros da família), são sinais que devem colocar imediatamente a sarna no topo do diagnóstico clínico diferencial [2].

Os achados cutâneos são pequenas e múltiplas pápulas eritematosas, freqüentemente escoriadas, com crostas hemorrágicas no topo e túneis com pequenas vesículas nas suas extremidades. Os túneis (sinal patognomônico) aparecem como uma linha marrom-acinzentada de 0,5 a 1 cm, mas raramente são encontrados, devido a escoriações ou à infecções bacterianas secundárias [3]. Outras lesões também encontradas são: vesículas (geralmente no início da tunelização da pele), nódulos (firmes, 0,5 cm de diâmetro, geralmente na genitália masculina, virilha, nádegas) e feridas.

Más condições higiênicas podem resultar em infecção bacteriana secundária [3]. As lesões em crianças, geralmente, são mais inflamatórias do que em adultos, apresentando-se em formas vesiculares ou bolhosas [1].

O tratamento incorreto da sarna, com utilização de corticosteroides tópicos, pode atrasar o diagnóstico correto, pois as lesões podem assumir formas distintas e não características (como, por exemplo, vesículas, pústulas ou nódulos) e a distribuição pode se tornar difusa [2].

A distribuição das lesões difere em adultos e crianças. Nas crianças e bebês, as lesões aparecem geralmente de forma difusa, acometendo mais face, couro cabeludo, pescoço, palmas das mãos e solas dos pés. Os adultos, todavia, manifestam lesões principalmente nos pulsos, região interdigital das mãos, região dorsal dos pés, axilas,  cotovelos, cintura, nádegas, região genital e periareolar (em mulheres) [2].

 

http://afterstudy.com.ua/yak-korosta-viglyadaie.html

– Sarna nodular

Manifestação infrequente da escabiose clássica, caracterizada por pápulas persistentes, firmes, eritematosas, extremamente pruriginosas, em forma de cúpula, com 5 ou 6 mm de diâmetro. Os locais mais acometidos são: virilha, genitália, nádegas e as dobras axilares. Os nódulos podem representar uma reação de hipersensibilidade à infestação prévia ou atualmente ativa [1].

 

– Sarna crostosa

https://pdfs.semanticscholar.org/c608/09c747afcb642c3f1e2ce406dcb00dfc0765.pdf

A sarna crostosa, norueguesa ou queratótica pode ocorrer em condições de comprometimento da imunidade celular, como na síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS), em infecções pelo vírus linfotrópico de células T humanas tipo 1 (HTLV-1), na hanseníase e em casos de linfoma. É explicada pelo elevado número de ácaros presentes. Pode ocorrer também em pacientes com síndrome de Down, idosos e uso prolongado de corticosteroides tópicos [1,3].

O prurido é leve ou ausente. As lesões cutâneas consistem em placas eritematosas generalizadas, mal definidas e fissuradas, recobertas por escamas e crostas. Em proeminências ósseas (por exemplo, articulações dos dedos, cotovelos e crista ilíaca), as placas têm um aspecto com tonalidade de amarelo a marrom, grosso e verrucoso. Pode ocorrer mais frequentemente nos casos de infecção secundária [3].

 

Diagnóstico da escabiose e exames úteis

Na maioria dos casos, o diagnóstico pode ser estabelecido com base na história e nas características clínicas. Sinais que podem ajudar a realizar o diagnóstico presuntivo da escabiose são:

  • o prurido generalizado, mais intenso no período noturno,
  • familiares ou pessoas próximas apresentando os mesmos sintomas,
  • prurido associado à erupção cutânea e à tunelização linear característica [1,2,3].

O diagnóstico é confirmado pela identificação microscópica de ácaros, larvas, ovos ou fezes em raspados de pele [1,2,3]. Em casos raros, os ácaros são identificados em amostras de biópsia obtidas para descartar outras dermatoses [2]. Devido à baixa quantidade de ácaros nos pacientes com escabiose clássica, nem sempre eles são facilmente detectados; assim, com base em um histórico consistente e exame físico, o diagnóstico pode ser feito.

Exame de dermatoscopia

A dermatoscopia é uma ferramenta útil no diagnóstico e auxilia na escolha do local para obtenção de amostras de pele para exame microbiológico. A escolha do local para raspagem da pele pode ser auxiliada pelo Teste de Tinta Burrow. Raspagem de 15 ou mais locais geralmente produz apenas 1 ou 2 ovos ou ácaros, exceto em casos de sarna crostosa, em que muitos ácaros estarão presentes [1]. Amostras podem ser obtidas também pelo Teste da Fita Adesiva, no qual fita adesiva é aplicada em áreas suspeitas de serem túneis e, em seguida, rapidamente arrancadas; depois, as fitas são examinadas ao microscópio [2].

O exame dermatoscópico (exame da superfície da pele com um dermatoscópio de mão para permitir a visualização de estruturas específicas relacionadas à epiderme, junção dermoepidérmica e derme papilar) pode visualizar ácaros e túneis in vivo e pode ser usado para orientar os locais de raspagens. Em pessoas com pele altamente pigmentadas, os ácaros são mais difíceis de serem detectados pela dermatoscopia [1]. O achado característico no exame dermatoscópico é uma forma triangular escura que representa a cabeça do ácaro dentro de uma toca (sinal de “asa delta”) [3].

 

Diagnóstico Diferencial

A grande maioria dos casos de escabiose apresenta escoriações decorrentes do prurido, obscurecendo sua aparência. Assim, um grande número de doenças pode se assemelhar à escabiose clássica, entre elas:

  • dermatite atópica,
  • dermatite de contato,
  • eczema numular,
  • estrófulo,
  • dermatite herpetiforme,
  • pênfigo bolhoso,
  • acropustulose da infância,
  • histiocitose de células de Langerhans,
  • reações de drogas,
  • exantema viral,
  • leucemia linfocítica crônica,
  • vasculite necrosante,
  • linfoma de células B com infiltrado monoclonal,
  • eczema disidrótico,
  • foliculite pustulosa eosinofílica,
  • foliculite,
  • Síndrome de Gianotti-Crosti (acrodermatite papular da infância),
  • líquen plano,
  • urticária papular,
  • psoríase gutata,
  • urticária colinérgica,
  • eczema palmoplantar vesicular, entre outras [1,2].

 

Tratamento

Em termos de tratamento, cuidar tanto do paciente quanto de seus contatos pessoais próximos é algo sugerido para evitar a infestação recorrente. O tratamento da sarna inclui a administração de um agente escabicida (por exemplo, permetrina ou ivermectina), bem como um agente antimicrobiano apropriado caso haja infecção secundária.

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Dr. Breno Montenegro Nery

Médico pediatra especializado em medicina intensiva pediátrica, com graduação pela Universidade Federal de Pernambuco e especialização pela Unicamp.
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