Infectologia

Zika Vírus – Quando Suspeitar?

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Informações e dados de saúde atualizados sobre o Zika vírus.

 

Com a chegada do período de chuvas, a preocupação com as arboviroses aumenta. Além da dengue, doenças emergentes – como o chikungunya, o zika e, mais recentemente, a febre do Mayaro – requerem ainda mais nossa atenção.

Neste post, vamos compreender melhor o que é o zika vírus, como foi descoberto, quais são seus efeitos no corpo humano, qual a relação com manifestações neurológicas e como podemos nos prevenir da perigosa doença que ele causa.

 

O ZIKA VÍRUS

O zika vírus faz parte da família dos flaviviridae, gênero flavivírus, à qual também pertencem os vírus da dengue e da febre amarela. Ele é transmitido pelo Aedes aegypti e foi identificado pela primeira vez no Brasil em abril de 2015, quase 70 anos após sua descoberta original.

O zika foi descoberto em 1947, em macacos Rhesus numa floresta da Uganda que leva o mesmo nome [1], sendo que os primeiros casos de infecção humana foram documentados em 1952 em Uganda e na Tanzânia. Espalhou-se pela África equatorial e pela Ásia, onde esteve associado apenas a surtos esporádicos.

Em 2007, a primeira epidemia registrada ocorreu nas ilhas Yap da Micronésia, quando cerca de 73% da população com idade ≥3 anos foi infectada (5.000 casos). Não houve relatos de aumento dos casos de microcefalia ou de síndrome de Guillain-Barré, nem a ocorrência de manifestações mais graves, como necessidade de hospitalizações, manifestações hemorrágicas ou morte [2]. Anos depois, entre outubro de 2013 e abril de 2014, outra epidemia foi registrada, desta vez na Polinésia Francesa, onde relatou-se que 66% da população contraiu o vírus (população local em dezembro/2013: 270.000) [3].

Em 14/05/2015, o Ministério da Saúde confirmou os primeiros casos da doença no Brasil após um surto de doença exantemática na Bahia [4,5]. No início de 2016, Soares de Araújo JS et al submeteram um estudo à Organização Mundial de Saúde (OMS) relatando um aumento do número de casos de microcefalia em neonatos no nordeste brasileiro entre 2012 e 2015, com relação temporal compatível com a sazonalidade de circulação do Aedes aegypti e associado a infecção materna pelo vírus zika durante a gestação (ainda que, antes de 2014, nenhum caso tivesse sido documentado no Brasil) [6].

Apesar de toda a atenção e preocupação acerca da microcefalia relacionada à infecção gestacional pelo zika, esse será um assunto a ser abordado num futuro post. Trataremos neste momento dos casos de infecção pós-natal pelo vírus.

COMO SABER SE A CRIANÇA ESTÁ COM ZIKA?

Doenças exantemáticas febris são queixas bastante comuns nos consultórios e prontos atendimentos pediátricos. Sendo assim, como identificar os casos suspeitos de zika?

Classicamente, o quadro clínico da infecção não fetal pelo zika tem duração de 4 a 7 dias. As manifestações predominantes são:

  • Exantema maculopapular de início precoce (90-93% dos casos, com duração média de 5,2 dias);
  • Febre (65-72% dos casos, com duração média de 2,9 dias);
  • Hiperemia conjuntival não purulenta e não pruriginosa (65% dos casos, com duração média de 3,5 dias);
  • Artralgia ou artrite (65% dos casso, com duração média de 6,8 dias);
  • Edema de extremidades, mialgia, astenia e dor de cabeça [7].

O período de incubação do vírus após a picada pelo mosquito é de 2 a 14 dias. Considera-se caso suspeito todo indivíduo que apresentar exantema maculopapular pruriginoso acompanhado de dois ou mais dos sinais ou sintomas acima [8].

Vale lembrar que, como aponta a literatura, apesar do zika fazer diagnóstico diferencial com a dengue e o chikungunya, a taxa de hospitalização por sua infecção é baixa. A febre, quando presente, em geral é branda e estima-se que 80% dos pacientes infectados sejam assintomáticos [7].

MANIFESTAÇÕES NEUROLÓGICAS DECORRENTAS DE ZIKA

Manifestações neurológicas, especialmente síndrome de Guillain-Barré (SGB), têm sido associadas a infecções prévias por zika. Relatos de casos ocorreram na epidemia de 2013-2014 na Polinésia Francesa e na de 2015 no Brasil [13]. Outras manifestações neurológicas incluem meningite (não bacteriana), meningoencefalite e mielite por lesão direta do vírus.

A SGB é mediada imunologicamente e pode ocorrer semanas após o contágio e as primeiras manifestações clínicas do zika. Entretanto, apenas uma pequena porcentagem de pacientes com infecção recente pelo zika desenvolve SGB [9]. Casos de paralisias flácidas, encefalomielite disseminada aguda (ADEM) e síndrome de Miller-Fisher sem etiologia definida também configuram casos suspeitos de síndromes neurológicas possivelmente relacionadas a arboviroses [7].

CONFIRMAÇÃO LABORATORIAL DE ZIKA

Por ser uma doença emergente no Brasil, a Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde (SVS/MS), conforme a Portaria nº 204 de 17 de fevereiro de 2016, preconiza que seja feita notificação compulsória de todos os casos suspeitos. Conforme orientações do Ministério da Saúde, os primeiros casos de zika de uma região devem ter confirmação laboratorial da seguinte maneira:

  • Identificação direta do vírus por técnica de RT-PCR: amostra de soro (3 ml em até 5 dias do início dos primeiros sintomas) e de urina (10 ml em até 8 dias a partir dos primeiros sintomas).
  • Sorologia IgM: 1ª amostra na fase aguda (3 ml entre 3 e 5 dias após o início dos sintomas) e 2ª amostra na fase crônica (3 ml de 3 a 4 semanas após a primeira coleta).

Teste rápido para Zika Vírus:

  • Em outubro de 2016 foi anunciado pelo laboratório Bahiafarma um teste rápido para diagnóstico do Zika Vírus, desenvolvido em parceria com a coreana Genbody Inc. O dispositivo é composto por dois cassetes portáteis, que utilizam uma pequena amostra de soro do paciente. O primeiro cassete reage ao anticorpo IgM e identifica infecções recentes (de cinco dias a até duas semanas), enquanto o segundo, que reage ao IgG, identifica se o paciente foi infectado há mais tempo. O exame apresenta 97% de sensibilidade e 96% de especificidade para infecções recentes (IgM) e de 100% de sensibilidade e 98% de especificidade para infecções mais antigas (IgG) [16]. Os resultados saem em até 20 minutos [14]. O outro exame é o teste rápido Zika NS1 que é de diagnóstico complementar ao teste rápido Zika IgG / IgM e detecta, por meio da identificação do antígeno NS1, infecções muito recentes da doença (entre o primeiro e o sétimo dia da instalação) [15]. Foi o primeiro teste a ser registrado pela ANVISA. O Ministério da Saúde anunciou a compra de 3,5 milhões de testes em novembro de 2016 [17].
  • Em dezembro de 2016 foi registrado pela ANVISA, o Kit ZDC, que faz o diagnóstico simultâneo de infecção aguda por zica, dengue e chikungunya, com resultado no mesmo dia. O kit detecta o material genético dos três vírus (RNA) por técnica de PCR em tempo real.  A inovação é fruto do trabalho integrado do Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz) com o Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) e o Instituto de Biologia Molecular do Paraná (IBMP) [18].

Informações sobre alterações típicas laboratoriais associadas com a infecção por Vírus Zika são escassas, mas incluem, durante o curso da doença, leucopenia, trombocitopenia e ligeira elevação da desidrogenase láctica sérica, gama glutamil transferase e de marcadores de atividade inflamatória (proteína C reativa, fibrinogênio e ferritina). Em recente relato clínico de dois casos de Vírus Zika importados da Polinésia Francesa para o Japão, houve a verificação de leucopenia e trombocitopenia moderada para ambos os casos; os mesmos achados laboratoriais foram observados recentemente em caso Zika confirmado em um viajante canadense que retornou da Tailândia [19].

Após a confirmação da circulação autóctone, os demais casos agudos deverão ser confirmados por critério clínico-epidemiológico. Essa recomendação, no entanto, não se aplica para gestantes, pacientes com manifestações neurológicas e óbitos com correlação suspeita, para os quais sempre deverá haver confirmação laboratorial da doença [8].

Mais informações leia o Post: Zika – Atualizações que você precisa saber

PREVENÇÃO DO ZIKA VÍRUS

Até o momento, não há vacina para prevenção da doença, nem há recomendação de uso de antivirais. A exemplo da dengue, o tratamento se dá por meio de hidratação vigorosa, uso de analgésicos simples (paracetamol ou dipirona) e contraindicação de anti-inflamatórios. Anti-histamínicos podem ser prescritos para controle do prurido [10].

Medidas preventivas, como evitar picadas pelos mosquitos transmissores através do uso de telas nas janelas, roupas de mangas longas e calças compridas, uso de repelentes e permanecer no interior de ambientes fechados é aconselhável. O mesmo vale para os casos confirmados da doença, que devem evitar picadas por mosquitos, quebrando assim o ciclo do vírus. Como o vírus foi detectado em praticamente todos os fluidos corporais, contatos íntimos (sexuais ou não) com pessoas infectadas devem ser evitado. A OMS, inclusive, recomenda que mesmo homens assintomáticos que estiveram em área de circulação do vírus aguardem 6 meses antes de terem relações sexuais desprotegidas, uma vez que o zika foi detectado em sêmen até 188 dias após exposição inicial ao vírus [11]. Para mulheres, essa recomendação cai para 8 semanas [12].

 

Vale ressaltar que a SVS/MS informa que mesmo após a identificação do zika vírus no país, há regiões com ocorrência de casos de dengue e chikungunya, que, por apresentarem quadro clínico semelhante, não permitem afirmar que os casos de síndrome exantemática identificados sejam relacionados exclusivamente a um único agente etiológico.

Assim, independentemente da confirmação das amostras para zika vírus, é importante que os profissionais de saúde se mantenham atentos frente aos casos suspeitos de dengue nas unidades de saúde e adotem as recomendações para manejo clínico conforme o preconizado no protocolo vigente, na medida em que esse agravo apresenta elevado potencial de complicações e demanda medidas clínicas específicas, incluindo-se a classificação de risco, hidratação e monitoramento [10].

 

Vocês têm atendido casos suspeitos de zika? Este post lhes ajudou de alguma forma? Acham que outras pessoas podem se beneficiar dessas informações? Compartilhe conhecimento com a ajuda do PortalPed!

 

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Antonio Junior

Médico pediatra especializado em medicina intensiva pediátrica, com graduação e especialização pela Unicamp.

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