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Série Procedimentos em Pediatria: a Punção Lombar

Orientações atualizadas para a correta realização da punção lombar em crianças.

Destaques
  • O PortalPed dá início, com este post, a uma série de conteúdos sobre procedimentos em pediatria.
  • Neles, relembraremos alguns pontos importantes aos quais todos devemos nos atentar durante a realização desses procedimentos, seja no atendimento da urgência, seja na terapia intensiva.
  • O tema do primeiro post é "punção lombar". Confira a seguir.
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A punção lombar possui inúmeras aplicações na prática clínica. Tanto no pronto atendimento quanto na unidade de internação, no ambulatório de especialidades ou no centro cirúrgico, são inúmeras as situações nas quais podemos estar frente a frente com a necessidade de realizar uma punção lombar, seja ela com função diagnóstica ou terapêutica.

 

Histórico

A punção lombar foi introduzida na prática clínica na segunda metade do século 19, na Europa, embora já haja descrições do líquido cefalorraquidiano desde o antigo Egito.

Sua primeira aplicação talvez tenha sido no alívio da cefaleia ocasionada por quadros de hipertensão intracraniana.

A punção diagnóstica, com análise do líquido e diagnóstico de infecções de sistema nervoso central, é posterior a esse uso, datando da última década do século 19 e início do século 20.

 

Indicações para a punção lombar

Diagnóstica

  • Coleta de amostra de líquor para análise;
  • Medida da pressão liquórica;
  • Diagnóstico e avaliação de hemorragia subaracnóidea.

Terapêutica

  • Alívio da pressão intracraniana;
  • Aplicação de fármacos analgésicos para anestesia;
  • Aplicação de fármacos para outras situações, como quimioterápicos e antimicrobianos.

 

Contraindicações 

Dentre as contraindicações, existem as absolutas e as relativas.

Os casos de aumento de pressão intracraniana — especialmente nos casos de pressões desequilibradas nos compartimentos cerebrais (supra ou infratentorial, lateralmente à foice inter-hemisférica, ou na base do crânio) — são contraindicações absolutas de punção lombar, pois ela pode ocasionar um desequilíbrio agudo nas pressões dos compartimentos e desencadear uma herniação das tonsilas cerebelares, que pode ser fatal ou deixar sérias sequelas no paciente.

De uma maneira geral, caso a criança apresente…

  • Alteração do estado mental (Escala de Coma de Glasgow <13);
  • Sinais neurológicos focais;
  • Edema de papila;
  • Convulsão focal;
  • Alto risco para apresentar um abcesso cerebral ou outra lesão expansiva de sistema nervoso central;

…a tomografia computadorizada de crânio deve ser realizada previamente à punção.

Outra contraindicação pode ser descrita nos casos de malformação grave da coluna lombar, como a meningomielocele e a espinha bífida. Nesses casos, o sítio de punção não pode ser identificado com clareza, ou então a medula pode estar anatomicamente fora de seu sítio normal, o que aumenta em demasia o risco de lesão neurológica.

Quando o paciente possui discrasia sanguínea, ou está instável do ponto de vista ventilatório ou hemodinâmico, ou ainda quando o paciente possui alguma alteração cutânea no local de punção, o procedimento tem uma contraindicação relativa e a decisão de realizá-lo ou não passa pela importância do resultado da punção na condução do caso em questão.

No caso de discrasia sanguínea com sangramento ativo, a punção deve ser cautelosamente planejada e a reposição de componentes sanguíneos (plasma, plaquetas ou fatores de coagulação) deve ser considerada previamente ao procedimento.

No caso de instabilidade clínica, o suporte ventilatório e hemodinâmico é prioritário. O paciente deve ser estabilizado, pois o risco de deterioração e óbito durante o posicionamento do paciente para o procedimento não é desprezível. Caso a suspeita clínica seja de infecção — seja ela generalizada ou de sistema nervoso central —, a administração do antibiótico não deve ser adiada.

Se houver infecção local na pele ou tecido subcutâneos, existe um risco teórico aumentado para desenvolvimento de meningite secundária ao procedimento. Sendo assim, tal punção deve ser evitada, se possível. Deve-se avaliar a possibilidade de mudança do sítio de punção.

 

Complicações da punção lombar

a coluna vertebral - anatomiaO procedimento de punção lombar, quando bem executado, é bastante seguro e as taxas de complicações são bastante baixas.

Todavia, dentre as complicações mais frequentes, citamos a cefaleia pós-punção (ou cefaleia pós-raqui), que ocorre em 5 a 15% dos procedimentos, e a dor/hematoma locais.

A infecção local é uma complicação plausível, por se tratar de um procedimento invasivo, assim como a meningite por contaminação, porém, a partir da realização de um procedimento minimamente estéril, tais complicações são extremamente raras.

A lesão neurológica medular é, sem dúvida, a complicação mais temida. Entretanto, lembro que a medula termina aproximadamente na altura da vértebra L1. Sendo assim, caso puncionarmos ao redor de L4-L5, essa lesão não é factível.

 

Dispositivos disponíveis para realizar a punção

agulhas para puncao lombarEm adultos, parece haver correlação entre o calibre da agulha utilizada para punção e a ocorrência de cefaleia. Porém, em crianças não há dados suficientes que suportem esse raciocínio. A recomendação é que usemos uma agulha biselada com mandril de diâmetro máximo de 22 gauge.

O comprimento da agulha pode ser variável, mas lembramos que, quanto maior ela for, mais instável ficará durante o procedimento e maior resistência à saída do líquor encontrará — ou seja, poderá tornar o procedimento mais difícil e prolongado. Existem agulhas de diferentes combinações de tamanho versus calibre, desenvolvidas exclusivamente para punção lombar, que devem ser escolhidas de acordo com o tamanho do paciente.

 

Cuidados específicos ou técnica a ser empregada no procedimento

Existem alguns passos a serem seguidos antes de iniciarmos o procedimento, considerando que a indicação e as contraindicações já foram observadas.

Dor local

O procedimento gera um desconforto, uma dor local, especialmente se a punção não for bem sucedida na primeira tentativa. Na população pediátrica, na qual não podemos, na maioria das vezes, contar com a colaboração do paciente, esse desconforto gera movimentação, reflexa e voluntária, o que dificulta o procedimento e aumenta o risco de lesões e de insucesso.

Sendo assim, devemos considerar a aplicação de anestésico local, em creme tópico ou injetável, além de considerar sedo-analgesia sistêmica.

Quando consideramos a analgesia tópica, os produtos derivados da lidocaína são os mais utilizados – EMLA, lidocaína injetável sem vasoconstritor, entre outras. Quanto às medicações para uso sistêmico e suas respectivas considerações, cito:

  • Opioides: fentanil (risco de depressão respiratória), morfina (grande liberador de histamina), tramadol (analgésico, não hipnótico), meperidina (pouco utilizada em crianças), entre outros;
  • Sedativos/hipnóticos: benzodiazepínicos (sem efeito analgésico), cetamina (fornece analgesia e possui baixo risco de depressão respiratória), propofol (também sem efeito analgésico, meia-vida curta, baixo risco de depressão respiratória, gera dor local à administração).

Orientação à família

A orientação das famílias, dos profissionais que auxiliarão no procedimento e do paciente (caso haja capacidade intelectual deste para compreensão) também é essencial e aumenta muito a chance de sucesso do procedimento.

Cuidados com o material

O material deve ser previamente separado, desde as medicações já citadas, assim como:

  • Luva estéril;
  • Solução degermante (polvidine/clorexidine);
  • Campo estéril;
  • Gazes;
  • Agulhas de punção;
  • Frascos para coleta de material;
  • Caso seja importante a medida da pressão liquórica, providenciar um manômetro.

Posicionamento do paciente e reconhecimento da anatomia

O procedimento pode ser realizado com o paciente sentado ou deitado em decúbito lateral. Esse passo também é fundamental para o sucesso e a redução do risco de complicações. O paciente bem posicionado facilita a inserção da agulha, torna o procedimento mais rápido e potencialmente menos doloroso.

posicoes para realizar a puncao lombar
Posições do paciente para realizar a punção lombar.

Caso a criança seja cooperativa (normalmente após os 7 ou 8 anos) e não necessite de sedação vigorosa para o procedimento, peça para ela ficar sentada, com as pernas cruzadas, com o tronco fletido para frente e o queixo junto ao tórax. Caso essa posição não seja possível, utiliza-se o decúbito lateral, com as pernas e cabeça fletidas de encontro ao tronco. É aconselhável haver uma pessoa para imobilizar a criança nessa posição, evitando movimentações bruscas, que aumentariam o risco de traumatismo, dor e insucesso do procedimento.

Com a criança posicionada, o próximo passo é o reconhecimento da anatomia. Palpe a coluna e a crista ilíaca. O espaço intervertebral situado na altura da crista ilíaca costuma ser o L4-L5. Sendo assim, é plausível a punção neste espaço, assim como num espaço intervertebral acima ou abaixo deste ponto. Reforçamos que, como a medula termina na altura da vértebra L1 (nos recém-nascidos ela termina entre L2 e L3), a punção é segura abaixo do espaço L2-L3 em crianças além da idade pré-escolar e L3-L4 em recém-nascidos.

Ao palpar a coluna, neste ponto, o profissional estará sentindo os processos espinhosos das vértebras. Tais processos espinhosos das vértebras lombares possuem uma angulação para baixo com relação aos corpos vertebrais, angulação essa que se modifica naturalmente com o avançar da idade.

A punção

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Dr. Sidney Volk

Médico pediatra especializado em medicina intensiva pediátrica, com graduação e especialização pela Unicamp. Membro do corpo editorial do PortalPed.
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