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Série Procedimentos: Realizando a Toracocentese

Revisão completa sobre a punção de tórax (toracocentese), com detalhamentos anatômicos e relativos ao procedimento em si.

Destaques
  • Nesse segundo capítulo da Série Procedimentos, levantarei alguns aspectos importantes da toracocentese, procedimento muitas vezes salvador, cujo domínio é essencial para o emergencista e para o intensivista.
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Introdução

Toracocentese significa punção do tórax. Abordarei as duas técnicas de punção rotineiramente utilizadas na prática clínica. Não abordarei a técnica de drenagem de tórax, procedimento cirúrgico, mais demorado, que normalmente é realizado pelo médico cirurgião. Nosso objetivo é esclarecer alguns aspectos desse procedimento que pode, em alguns casos, ser salvador de vidas.

 

Histórico da toracocentese

A primeira descrição de realização de toracocentese é de 1853, para alívio de insuficiência respiratória por derrame pleural. A partir daí, o tema começou a ser mais estudado, assim como suas possíveis complicações, como o temido “edema pulmonar de reexpansão”, que assustava os médicos no final do século XIX e ocorria após esvaziamento rápido da cavidade pleural.

 

Indicações do procedimento

A toracocentese pode ser necessária em inúmeras situações clínicas:

  • Toracocentese de alívio no pneumotórax hipertensivo
  • Toracocentese diagnóstica:
    • Hemotórax
    • Transudatos pleurais
    • Exsudatos pleurais
    • Empiemas pleurais
    • Pneumotórax (espontâneo, traumático, entre outros)
  • Toracocentese terapêutica:
    • Melhora da insuficiência respiratória
    • Tratamento da fístula broncopleural
    • Realização de pleurodese

A sua realização ou não depende de inúmeras variáveis clínicas e cada caso deve ser analisado separadamente. Nem todo derrame pleural e nem todo pneumotórax necessitarão de toracocentese. O objetivo desse documento não é discutir as indicações para sua realização.

 

Contraindicações

Existem situações clínicas nas quais há uma contraindicação relativa para o procedimento da toracocentese.

No caso de infecção no local habitual de punção, a conduta preferida é trocar o local da mesma.

Caso o paciente possua antecedentes importantes que envolvam o lado tórax acometido — como por exemplo derrame pleural anterior com pleurodese já realizada, cirurgia torácica de grande porte ou malformações graves —, o procedimento deve ser considerado de risco e realizado obrigatoriamente com auxílio de exame de imagem (ultrassonografia ou tomografia).

A toracocentese de alívio no caso de pneumotórax hipertensivo não tem contraindicações, visto que é um procedimento salvador de vida, não devendo ser adiado.

Discrasias sanguíneas (distúrbios graves de coagulação e plaquetopenia), especialmente nos pacientes com sangramento ativo, também são contraindicações relativas. Caso o procedimento não possa ser adiado, deve-se avaliar a administração prévia ou concomitante de hemoderivados para minimizar o risco do procedimento.

 

Complicações da toracocentese

As principais complicações do procedimento de toracocentese decorrem de técnica inadequada de realização, desde o posicionamento errado do paciente à má indicação do procedimento ou à escolha de sítio inadequado para punção.

Com certeza as complicações mais frequentes e mais temidas são as punções inadvertidas de vísceras:

  • PULMÃO: caso o conteúdo pleural seja escasso ou a punção seja realizada em local inadequado, ou ainda caso a agulha seja introduzida em demasia dentro do espaço pleural, a lesão pulmonar pode ocorrer. Ela pode levar a um pequeno trauma, sem consequências graves — visto que o pulmão é um órgão elástico, capaz de autoconter pequenos traumas —, e pode ocasionar também uma fístula broncopleural, da qual decorrerá um pneumotórax iatrogênico.
  • FÍGADO E BAÇO: são as principais vísceras sólidas abdominais que podem ser lesionadas durante a toracocentese, especialmente quando realizamos o procedimento em espaços intercostais mais inferiores. A utilização de ultrassonografia e a escolha de local tradicional de punção minimizam muito esse risco.
  • CORAÇÃO: embora rara, pode ocorrer especialmente em pacientes com cardiomegalia e insuficiência cardíaca, nos quais o coração se aproxima mais da parede torácica. Caso note alteração eletrocardiográfica durante o procedimento, retire a agulha imediatamente e solicite o parecer de um cardiologista. Caso haja sabidamente cardiomegalia e a punção a ser realizada seja no hemitórax esquerdo, utilize o auxílio de um aparelho de ultrassonografia.
  • FEIXE VÁSCULO-NERVOSO: trata-se com certeza da lesão mais comum. Pode causar desde dor local e parestesias a dor em todo o dermátomo, hematomas locais e, mais gravemente, hemotórax. Para evitá-la, escolha adequadamente o tamanho do dispositivo, realize sedoanalgesia adequada e respeite a recomendação de introduzir a agulha na borda superior da costela inferior do referido espaço intercostal.

Outras complicações possíveis: infecção de sítio de punção, pneumotórax iatrogênico (não por lesão pulmonar, mas por entrada de ar na cavidade pleural através do dispositivo) e edema pulmonar de reexpansão.

 

Dispositivos disponíveis

Desde o desenvolvimento dos dispositivos de cateter sobre a agulha (Abocath® e similares), esses passaram a ser os instrumentos de escolha para realização da toracocentese pelo fato de seu uso minimizar o risco de lesão pulmonar. Existem outras agulhas que podem ser utilizadas, porém mantenho minha recomendação de utilizar os cateteres sobre agulha.

O calibre e comprimento devem ser escolhidos de acordo com o tamanho do paciente e da espessura estimada de sua parede torácica, assim como do aspecto do conteúdo pleural que esperamos encontrar.

O tamanho deve ser sempre o menor possível para atingir o objetivo proposto, para minimizar o risco de lesões inadvertidas, com o cuidado de não escolher um dispositivo pequeno demais e que não seja suficientemente bom para o efeito desejado, acarretando necessidade de nova punção.

De modo geral, os dispositivos mais finos, como os com 24 gauge e 22 gauge, ficam restritos a lactentes jovens e toracocentese de paciente com pneumotórax. Para drenagem de líquidos de diferentes viscosidades, e em pacientes a partir da idade pré-escolar, devemos escolher um dispositivo de 20 gauge ou maior (normalmente para pediatria usamos o de 18 gauge).

Além do dispositivo para punção, separe material para antissepsia, paramentação estéril, gazes, frascos para coleta de material para análise (caso seja necessária), dispositivo para fluxo controlado (por exemplo, uma torneira de 3 vias), seringas para aspiração (caso necessário) e material para obtenção de um sistema em selo d´água, caso preveja necessidade de instalá-lo.

 

Toracocentese: A técnica

Lembro, em primeiro lugar, a anatomia da caixa torácica. Entre dois arcos costais temos músculos, nervo intercostal e vasos sanguíneos. Esse feixe vásculo-nervoso corre na face inferior de cada costela. Sendo assim, para evitar lesões do mesmo, devemos observar a inserção da agulha sempre na borda superior da costela inferior do espaço intercostal escolhido.

No caso do pneumotórax hipertensivo, ou seja, quando o paciente apresentar sinais claros de deterioração hemodinâmica e iminente parada cardiorrespiratória, a toracocentese de alívio tem como única função transformar o pneumotórax hipertensivo ameaçador da vida em um pneumotórax aberto, menos danoso. Tal procedimento normalmente é realizado com o paciente em decúbito dorsal, sem grandes preparações.

Preferencialmente, solução para antissepsia — como clorexidina, álcool ou polvidine — deve ser utilizada, porém a sua ausência não deve atrasar o procedimento.

Devemos palpar a fúrcula (porção superior do esterno) e localizar o ângulo entre o manúbrio e o corpo de esterno. Então, deslizamos nossa mão para o hemitórax onde está localizado o pneumotórax. Estaremos, então, sobre o segundo espaço intercostal. Aproximadamente na metade da clavícula (linha hemiclavicular), devemos introduzir a agulha perpendicularmente à pele, margeando a borda superior da terceira costela, até a saída de ar, que representará o acesso à cavidade pleural então hipertensiva.

Toracocentese - posicao esterno

Nesse momento, não é necessário qualquer cuidado quanto ao isolamento do orifício ou à instalação de selo d’água, visto que o objetivo é apenas a equalização das pressões e a estabilização hemodinâmica.

Quanto à toracocentese clássica, existem algumas outras particularidades.

Em primeiro lugar, nos dias atuais, com a progressiva universalização da ultrassonografia, a realização da toracocentese sem a avaliação complementar com o exame de imagem vem se tornando uma má prática médica. O ideal, inclusive, é que o procedimento seja guiado por ultrassonografia. Entendo que tal situação ainda não é realidade em todos os serviços de saúde no Brasil, porém devemos nos capacitar e exigir que os serviços disponham de recursos para tal.

Devemos iniciar o procedimento com o posicionamento adequado da criança, o reconhecimento dos referenciais anatômicos e a monitorização.

 

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Dr. Sidney Volk

Médico pediatra especializado em medicina intensiva pediátrica, com graduação e especialização pela Unicamp. Membro do corpo editorial do PortalPed.
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