Fimose: definição, tratamentos e correlação com a circuncisão
Explicações sobre a fimose, suas origens embriológicas e tratamentos, além de correlações com a circuncisão e os potenciais benefícios da técnica.
Fatores emocionais, culturais e religiosos continuam, significativamente, a colorir o assunto. Isso é, em parte, refletido na considerável variação da taxa de circuncisão realizada de acordo com localização geográfica, crença religiosa e, por vezes, do estado socioeconômico.
Neste texto, estudaremos a circuncisão no contexto da fimose, analisando os potenciais benefícios à saúde e compreendendo seus tratamentos e complicações.
Fimose: definição
A fimose define-se como a presença de um prepúcio não retrátil devido a uma abertura prepucial estreita. De acordo com as características macroscópicas do anel prepucial, é classificada em primária ou secundária.
Na fimose primária, não existem sinais de cicatrização. Na secundária, pelo contrário, são visíveis alterações cicatriciais, que ocorrem maioritariamente após contextos inflamatórios locais, como na balanite xerótica obliterante, podendo surgir num prepúcio previamente retrátil.
A fimose primária afeta cerca de 96% dos recém nascidos. Uma vez que apresenta um declínio notório com a idade, assiste-se a uma redução da prevalência para cerca de 10 a 20% aos três anos. Diversos autores salientam que, a partir dessa idade, uma maior percentagem das crianças apresentará uma resolução mais lenta da fimose até à adolescência, que pode mesmo não resolver e manter-se na idade adulta. Portanto, pondera-se o início de terapêutica a partir dos três anos de idade.
Aspectos embriológicos
O desenvolvimento prepucial começa durante o 3º mês de gestação, completando-se ao fim do 5º mês. O epitélio interno do prepúcio e o epitélio granular fundem-se após o prepúcio ter se formado. A separação entre o prepúcio e a glande começa intra-útero, mas é caracteristicamente incompleta ao nascimento.
Somente 4% dos recém nascidos do sexo masculino apresentam prepúcio totalmente retrátil ao nascimento; aos seis meses, retratilidade completa é observada em apenas 20% dos casos. Pelo 5º ano de vida, o prepúcio apresenta-se retrátil em até 90% dos meninos. Quando se aproxima da maioridade, somente uma minoria tem prepúcio não retrátil.
Benefícios médicos em potencial da circuncisão
Incidência reduzida de ITU
A maioria das infecções do trato urinário (ITU) em meninos ocorre no primeiro ano de vida, com incidência relatada de 1 a 2%. Meninos não circuncidados apresentam taxa dez vezes maior de infecção do trato urinário que meninos circuncidados. Acredita-se que a circuncisão diminui a incidência de infecção do trato urinário inferior, ao prevenir a colonização bacteriana do prepúcio.
Incidência reduzida de Câncer Peniano
O desenvolvimento do câncer peniano ocorre, quase exclusivamente, em homens não circuncidados. O principal fator de risco parece ser a fimose. Deve-se lembrar também que a presença do prepúcio não é o único fator importante. Existem outros fatores significativos, como múltiplas parceiras sexuais, verrugas genitais e tabagismo, entre outros.
O Consenso Internacional de Doenças Urológicas de 2009 considerou a interrupção do tabagismo como Grau C de recomendação na prevenção de câncer peniano, enquanto que a vacinação de HPV e circuncisão não foram recomendadas.
Incidência reduzida de doenças sexualmente transmissíveis
O estado de não circuncidado tem sido associado à incidência aumentada de inúmeras doenças sexualmente transmissíveis, incluindo o vírus de imunodeficiência humana (HPV). Provavelmente a educação do paciente e os problemas de comportamento têm mais impacto na aquisição de doenças sexualmente transmissíveis do que o estado de circuncidado.
Circuncisão: indicações e contra-indicações
Indicações cirúrgicas
- Infecções do trato urinário de repetição
- Parafimose
- Balanopostites recorrentes
- Fimose patológica (casos específicos)
Contra- Indicações
Anomalias penianas
O prepúcio é a fonte de pele preferida para a correção de inúmeras anomalias penianas e uretrais, como epispádia, hipospádia, curvatura peniana (chordee). A circuncisão deve ser evitada nesses casos.
Pênis embutido
Circuncisão deve ser evitada em pênis embutido, pois a remoção excessiva da pele pode causar aprisionamento do pênis na gordura supra–púbica. O ideal é adiar o procedimento até mais tarde, quando há diminuição progressiva da gordura supra–púbica.
Diátese hemorrágica
Coagulopatia com contra-indicação relativa. Todas as coagulopatias devem ser avaliadas e corrigidas no período peri-operatório.
Tratamento da fimose
A circuncisão consiste na remoção cirúrgica do prepúcio, é um dos procedimentos cirúrgicos mais antigos descritos e ainda hoje um dos mais realizados. Nos últimos anos, as indicações médicas para circuncisão vêm sendo cada vez mais limitadas, por influência dos resultados encorajadores do uso de corticóides tópicos e pela evolução natural de resolução espontânea de pacientes com fimose fisiológica. A tendência atual é a de limitar e postergar o tratamento cirúrgico da fimose, restringindo-o aos pacientes que apresentem balanopostites recorrentes, infecções de repetição do trato urinário, casos de parafimose, ao adolescente que ainda não conseguiu expor completamente sua glande e aos casos de fimose patológica. Apesar disso, um em cada seis meninos no mundo acabará sendo submetido à circuncisão.
Veja também
Postectomia ou circuncisão é a técnica cirúrgica empregada e consiste na retirada do excesso de prepúcio. Pode ser realizada de maneira clássica, com uso de fios absorvíveis, ou com uso de dispositivos de anéis (plastibell). A escolha da técnica varia de acordo com a experiência e preferência do cirurgião.
Um em cada seis meninos no mundo acabará sendo submetido à circuncisão.
O uso de corticosteroides tópicos como tratamento alternativo à cirurgia vem apresentando elevadas taxas de sucesso e melhor relação custo/benefício. Supõe-se que, a nível biomolecular, o efeito anti-inflamatório e anti-fibrinolítico do fármaco resulte numa inibição da síntese de glicosaminoglicanos e, assim, favoreça a diminuição da espessura da derme, o que permite gradualmente uma maior abertura prepucial. Existe uma variedade de cremes esteroides indicados, incluindo betametasona 0,05%, hidrocortisona 1 a 2% ou triancinolona 0,1 a 1%. O tratamento é prolongado e o creme deve ser aplicado por um período mínimo de 4 a 8 semanas, duas vezes ao dia.
Complicações da fimose
Agudas
- Sangramento: é a complicação mais frequente. Na maioria das vezes, o sangramento é autolimitado. Em determinados casos, pode ser necessária a revisão cirúrgica.
- Remoção excessiva da pele: quando isso ocorre, raramente é necessária a enxertia de pele.
- Amputação peniana: complicação rara que necessita de reimplante glandar microcirúrgico imediato.
- Necrose peniana: pode resultar na perda da glande ou de todo pênis. Em geral é o resultado da lesão causada por eletrocautério.
- Lesão uretral: quando diagnosticada, deve ser reparada no mesmo momento por cirurgião experiente.
- Retenção urinária: pode resultar de curativo muito compressivo ou dispositivos de anéis usados na cirurgia de forma inadequada.
- Infecção: a maioria das infecções é pequena, resolvendo-se com aplicação de curativos locais e banhos de assento. Gangrena, fascite e sepse são raras, mas podem ocorrer.
- Deiscência de sutura: cicatrização da ferida deve ocorrer por segunda intenção. Deve-se aplicar creme de barreira.
Tardias
- Complicações referentes à pele: incluem remoção incompleta do prepúcio, que pode levar à contratura da pele e fimose verdadeira, cistos de inclusão, recurvamento peniano e pontes de pele.
- Fístula uretrocutânea: pode resultar de uma lesão de uretra não dignosticada.
- Estenose do meato uretral: parece ocorrer como resultado da exposição meatal e irritação, após remoção do prepúcio protetor. Nos casos de balanite xerótica obliterante, estenose de meato é uma ocorrência comum. Irritação local, produzida por compostos de amônia nas fraldas, ocupa papel etiológico importante. Indica-se meatoplastia quando existe significante desvio ou obstrução do jato urinário.
- Pênis embutido: a circuncisão deve ser evitada em pacientes com pênis embutido. A remoção excessiva do prepúcio pode causar cicatriz circular sob o corpo peniano embutido. Como consequência, o pênis circuncidado, ao se retrair na gordura pré–púbica, pode ficar aprisionado pela formação de um anel fibroso na zona de sutura junto à superfície da pele.
REFERÊNCIAS CIENTÍFICAS
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- Pires, P.; Teixeira H.; Lopes I.; Santos, A.; Corticoesteróides tópicos no tratamento da fimose primária: revisão baseada na evidência. Rev Port Clin Geral, 2011.
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