Por Que as Crianças Têm Tantas Doenças na Pele?
Você se lembra das camadas da pele, seus componentes e funções? Por que a criança tem mais predisposição a ter doenças na pele?
As patologias da pele durante a infância são muito frequentes. Quem nunca diagnosticou e tratou estrófulo, impetigo, dermatite seborreica, dermatite atópica, entre outras inúmeras doenças? A pele da criança não é igual à de um adulto. Você se lembra das camadas da pele, seus componentes e funções? Por que a criança tem mais predisposição a ter doenças na pele?
A pele é um órgão do sistema tegumentar, que é composto pela pele e seus anexos (fâneros). O tamanho total da pele de um adulto pode chegar a 1,5 – 2 m². Ela é composta de três camadas: epiderme, derme e hipoderme. As estruturas anexas são: pelos, unhas, glândulas sebáceas e sudoríparas. Essa divisão ocorre devido à composição tecidual: na epiderme encontramos o tecido epitelial estratificado pavimentoso e queratinizado, na derme o tecido conjuntivo frouxo e na hipoderme o tecido conjuntivo adiposo [1,2].
Epiderme
A epiderme é subdividida em 4 camadas: a mais profunda delas é a camada basal ou germinativa, subjacente a ela encontra-se a camada espinhosa, depois a camada granulosa e finalmente a camada córnea, mais superficial. Nas pálpebras, lábios e principalmente na planta do pé e palma da mão encontramos uma camada a mais, chamada lúcida, entre a córnea e a granulosa. A epiderme possui 4 tipos de células com funções distintas: os queratinócitos, os melanócitos, as células de Langerhans e as células de Merkel [1,2].
Os queratinócitos são originários da camada basal ou germinativa e em sua progressão até à superfície morrem e sofrem processo de queratinização, e dão origem à camada córnea, composta basicamente de queratina. A queratina é uma proteína responsável pela “impermeabilização” da pele. O que temos na prática é uma permeabilidade seletiva, assim as partículas de pesos moleculares pequenos podem atravessá-la, permitindo que algumas medicações aplicadas na pele sejam absorvidas [2]. Já os fungos e bactérias vivem em simbiose na camada córnea, alimentando-se dos restos celulares e normalmente não penetram em camadas profundas da epiderme. As crianças tem uma camada córnea de menor dimensão do que os adultos, facilitando a penetração dos agentes infecciosos em camadas mais profundas e, consequentemente, o aumento da susceptibilidade às infecções e dermatites [3].
uma camada córnea mais fina,o que aumenta a susceptibilidade às infecções e dermatites.
Na criança, a relação entre superfície corporal e o peso é cinco vezes maior do que no adulto, o que, associado a uma camada córnea mais fina, faz com que a absorção e efeitos sistêmicos das medições aplicadas na pele sejam muito maiores. Assim, medicamentos aplicados na pele da criança têm risco aumentado de causar toxicidade; por este motivo, as medicações utilizadas nas crianças têm concentração menor e devem ser utilizadas por duração inferior àquelas utilizadas pelos adultos.
A impermeabilização da pele pela queratina também ajuda na manutenção da hidratação da pele. Dessa forma, uma camada córnea mais fina, como ocorre nas crianças, predispõe à desidratação [4]. A camada córnea nas crianças entre as idades de 3 e 12 meses é significativamente mais hidratada em comparação com a pele adulta [5]. Vários banhos durante o dia, utilização de sabonetes não glicerinados, banhos com água quente e utilização de esponjas abrasivas, principalmente esfoliantes, favorecem a diminuição da camada córnea e, por consequência, a maior desidratação da pele, podendo facilitar ainda mais as infecções.
O tempo que o queratinócito leva para ir desde a camada basal até a córnea é de 30–45 dias. Assim, nesse período, temos a total renovação da nossa pele [4]. Lembramos ainda que a grossura da epiderme varia nas diversas partes do corpo, sendo sua menor espessura de 0,05 mm nas pálpebras e sua maior espessura na palma da mão e na planta do pé, com 1,5 mm, devido ao maior tamanho da camada córnea.
Outra diferença entre a infância e a idade adulta é que na criança há uma menor coesão intercelular quando comparadas às dos adultos e, por esse motivo, há uma maior propensão à formação de vesículas e bolhas.
Os melanócitos produzem a melanina, que é responsável pela coloração da pele e proteção do DNA contra a ação nociva da radiação ultravioleta. O tempo de exposição solar sem proteção, principalmente em horários inapropriados, ocasiona queimaduras solares na infância, aumentando o risco de melanoma no futuro. O melanoma, tumor maligno originário dos melanócitos, ocorre devido aos danos ao DNA dessas células advindos de exposição ambiental e/ou mutações herdadas [6]. A necessidade de agressões repetidas ao DNA, que somente ocorrerão no decorrer da vida, faz com que o melanoma seja muito menos prevalente na infância e adolescência, sendo que aproximadamente 90% dos casos aparecem após os 10 anos de idade. [7,UpTodate : Risk factors for the development of melanoma – Atualização Jan 2017]. Apesar de raro, estudos demonstram que a sua incidência está aumentando 2,9% por ano naqueles com menos de 20 anos de idade [8]. Os melanomas em crianças podem apresentar lesões mais espessas e mais avançadas, com pior prognóstico, possivelmente por falta de consciência, atraso no diagnóstico e maior taxa de melanomas nodulares [9].
o melanoma é raro na infância, porém sua incidência está aumentando nos menores de 20 anos.
As células de Langerhans tem função imunológica, sendo responsáveis por evitar o aparecimento de infecções. A proliferação clonal dessas células ocasiona a histiocitose de células de Langerhans (HCL), cuja etiopatogenia é ainda pouco conhecida [10]. Além das células de Langerhans epidérmicas, outras origens celulares potenciais para HCL tem sido propostas [11].
As células de Merkel, localizadas na camada basal, estão ligadas a terminais nervosos e têm função sensorial [1]. As crianças, inclusive recém-nascidos prematuros, possuem as mesmas sensações que os adultos, portanto devem receber analgesia para procedimentos dolorosos. Leia mais no nosso resumo de artigo: Soluções adocicadas para analgesia em recém-nascidos.
Acima da epiderme, existem bactérias que vivem em simbiose. Essa flora se altera a partir do nascimento e continua a evoluir ao longo da vida. Imediatamente após o nascimento, as bactérias são as mesmas em todos os locais do corpo. Com o passar do tempo, a composição da microflora da pele infantil dependerá do local do corpo, semelhante à dos adultos [12]. Nos adultos, nos locais ricos em glândulas sebáceas, predominam o Propionibacterium e o Staphylococcus; nos locais úmidos, predominam o Corynebacterium e Staphylococcus; e em locais secos, encontramos o Proteobacteria e Flavobacteriales [13]. A quantidade de espécies de Staphylococcus é mais elevada na pele neonatal em comparação com a pele do adulto. Apesar da maioria delas ser Staphylococcus coagulase negativo, a presença de espécies mais invasivas faz com que as lesões na pele da criança mais provavelmente resultem em infecções [5].
a composição da flora bacteriana da pele da criança também favorece o aparecimento de infecções.
Derme
A derme, localizada entre a epiderme e a hipoderme, é composta de vasos sanguíneos e linfáticos, fibras colágenas, elásticas e reticulares [1,2]. Nela estão localizadas as estruturas anexas (folículos pilosos, nervos sensitivos, as glândulas sebáceas e sudoríparas). A faixa mais superficial, que se une à epiderme, é chamada de junção dermoepidérmica. Nesta região encontram-se as cristas epidérmicas, projeções em forma de dedos na direção da epiderme, que aumentam a superfície de contato entre as duas camadas, facilitando a nutrição das células epidérmicas pelos vasos sanguíneos da camada mais profunda [1,2,3].
Na derme estão presentes as fibras colágenas, constituídas de uma proteína chamada colágeno. São grossas e resistentes, distendendo-se pouco quando tensionadas, conferindo resistência à pele e evitando que ela se rasgue quando distendida. Também estão presentes as fibras elásticas, constituídas de uma proteína chamada elastina, que têm forma de longos fios e conferem elasticidade à pele, permitindo que ela retorne à sua posição de origem após ser puxada. Existem ainda as fibras reticulares, constituídas de uma proteína chamada reticulina (colágeno tipo III), que formam redes flexíveis e delicadas e servem de rede para a sustentação. O envelhecimento leva à perda progressiva da elastina e do colágeno, ocasionando o adelgaçamento da derme [2,4]. À medida que a pessoa envelhece, aparece também um maior número de ligações entre as fibras elásticas, o que causa um aumento na rigidez e na perda da elasticidade da pele.
As terminação nervosas presentes na derme são de dois tipos: livres e encapsuladas. As terminações nervosas livres são responsáveis pela dor. Os subtipos diferentes de terminações nervosas encapsuladas presentes na pele são responsáveis por funções diversas. Destacamos: corpúsculo de Meissner, responsável pela sensação tátil; corpúsculo de Vater-Pacini, pela sensação de pressão e vibração; corpúsculo de Ruffini, pela sensação de calor; e corpúsculo de Krause, pela sensação de frio [2,4].
Por último, temos os vasos linfáticos, que permitem a remoção de toxinas.
Estruturas Anexas
As estruturas anexas que temos são os pelos, unhas, glândulas sebáceas e sudoríparas.
As glândulas sudoríparas, com a elevação da temperatura corporal, produzem suor e resfriam o corpo, ou seja, têm função na termorregulação. As glândulas sudoríparas se dividem em écrinas e apócrinas. As écrinas, presentes em toda superfície corporal, produzem suor, que é composto basicamente de água com sais minerais e tem a função de regular a temperatura corporal [2]. Os ductos das glândulas sudoríparas são retilíneos nos adultos. Já nos lactentes são tortuosos, o que predispõe ao acúmulo de suor e formação de vesículas, justificando dessa forma a maior incidência de miliária nesta faixa etária. As apócrinas, presentes próximas as áreas genitais e axila, produzem o suor que contém material gorduroso e só iniciam sua atividade durante a adolescência. Esse material gorduroso e a ação das bactérias causam o odor forte e característico do suor dessas glândulas que tem função basicamente de glândula de cheiro.
a tortuosidade dos ductos das glândulas sudoríparas favorece o aparecimento de miliária na infância.
As glândulas sebáceas tem a função de produção de sebo, material oleoso com função de lubrificar e impermeabilizar a pele e os pelos. Sua secreção é eliminada no folículo pilossebáceo. Essas glândulas existem em maior quantidade no couro cabeludo, face e terço superior do tronco e estão ausentes nas palmas das mãos e plantas dos pés. Nas crianças, as glândulas sebáceas são imaturas e consequentemente produzem menos sebo. Por essa razão, há maior tendência ao ressecamento, que também predispõe às infecções.
a menor atividade das glândulas sebáceas na infância é outro fator que contribue para o aparecimento de infecções cutâneas.
Os pelos existem em todo o corpo, exceto nas palmas das mãos e plantas dos pés e tem como principais funções a proteção contra raios ultravioletas e atenuação do atrito nas regiões das axilas e região genital. Como os recém-nascidos geralmente tem pouco pelo no couro cabeludo e a pele desta região é mais delgada, há uma maior susceptibilidade à agressão pelos raios ultravioleta e trauma físico, devendo esta região ser protegida. Existem tipos diferentes de pelos, que diferem no tamanho e velocidade de crescimento. Destacam-se os pelos minúsculos e finos (lanugos) ou grossos e fortes (terminais). No couro cabeludo existem em torno de 100 a 150 mil fios e existe um ciclo de renovação no qual perdemos de 70 a 100 fios por dia para posteriormente originarem-se novos fios. A coloração dos cabelos é devida à melanina que pode ser de 2 tipos: a eumelanina, que é responsável pela coloração escura dos fios, e a feomelanina, responsável pela coloração avermelhada. A presença ou não desses pigmentos e a mistura entre eles causam as diversas tonalidades dos cabelos .Os albinos não apresentam nenhum tipo de melanina e têm o cabelo amarelado.
As unhas são formadas por células corneificadas (queratina) que formam lâminas de consistência endurecida e tem como função proteção das extremidades dos dedos [1,2,3].
Hipoderme
A terceira camada é a hipoderme (tecido celular subcutâneo), composta basicamente de adipócitos envoltos pelo colágeno [2]. Ela tem como funções o isolamento térmico, a proteção mecânica e a reserva de energia. O tamanho desta camada varia conforme a constituição física da pessoa.
Conclusões
Devido às diferenças histológicas e fisiológicas da pele da criança, encontramos:
- Maior susceptibilidade às infecções;
- Tendência à hipotermia, principalmente em recém-nascidos;
- Maior tendência ao ressecamento;
- Predisposição a formação de vesículas e bolhas;
- Maior tendência a lesões por contato direto do que por reações imunomediadas, de maneira inversamente proporcional à idade;
- Absorção sistêmica aumentada de medicações aplicadas na pele.
Continue nos acompanhando, assine o nosso blog! Compartilhe conhecimento!
Bibliografia
1.Wojciech, Pawlina. Histology: A Text and Atlas: With Correlated Cell and Molecular Biology. 7th Edition. eBook 2014.
2. Elder, David E.; Elenitsas, Rosalie; Rubin, Adam I.; Loffreda, Michael; Miller, Jeffrey; Miller, Fred O. Atlas and Synopsis of Lever’s Histopathology of the Skin. 3rd Edition. eBook, Lippincott Williams & Wilkins ebook. 2013